Orçamento pisca-pisca…

Os media foram ‘invadidos’ pelo Governo. Portugal está num impasse, mas não parece. Escamoteia-se. Fala-se a toda a hora de Governo. Entrevistam-se governantes. A política faz-se nas televisões. Desfilam os políticos-comentadores, os jornalistas-políticos e os porta-vozes de interesses de capela, que precisam de fazer prova de vida.

O Orçamento é o retrato baço do estado da Nação. Obediente a Bruxelas, recupera a ‘obsessão’ do défice, antes reprovada pelas esquerdas na oposição. Trava a fundo no investimento e fica-se por um crescimento anémico. Economia estagnada, agravamento de impostos indiretos, lançamento de outros, estabilidade fiscal como miragem. Austeridade à la carte.

Empurram-se compromissos com a barriga, adiam-se promessas para timing mais propício e amenizam-se efeitos de fugas cirúrgicas de informação, lançadas como balões de ensaio.

Utilizam-se expedientes para dar cobertura ‘social’ ao novo imposto sobre o património imobiliário, com o argumento tosco de que se destina a reforçar o Fundo de Estabilização da Segurança Social – quando pretendem retirar-lhe verbas para a reabilitação urbana, emagrecendo com incertezas essa almofada estratégica para os pensionistas.

O PS sabe manipular a informação. O expoente dessa técnica foi Sócrates, e António Costa cresceu na mesma escola e imita-o bem.

«Este é um Orçamento de esquerda», anunciou, ufano, Mário Centeno, no Expresso, depois de ter enviado para a ‘cesta secção’ o documento ‘Uma década para Portugal’, que subscreveu em Abril de 2015, com um rosário de medidas que já esqueceu. Com ele, metade dos 12 economistas que prepararam o cenário cor-de-rosa e que estão hoje no Governo. A apatia endémica veio para ficar.

O Bloco e o PCP mandaram às malvas os princípios, enquanto mendigam uns trocos para tentar salvar a face. A CGTP mantém as ‘tropas’ recuadas e entretidas em trabalhos de amanuense.

Reza a crónica que a elaboração deste Orçamento foi tão pacífica que permitiu ao primeiro-ministro viajar tranquilo para a China, sem lhe ocorrer, sequer, adiar o projeto. À distância, com uns sms e emails, assunto resolvido.

Inaugurou-se, assim, sem maçadas, um modelo inédito no acompanhamento de um documento supostamente fundamental para o país.

Aliás, o assunto revelar-se-ia tão acessório que o primeiro ministro travou o nervosismo dos jornalistas que o acompanhavam, ditando-lhes, já em Macau, que «não vale a pena sermos tão ansiosos», e aconselhando-os, judiciosamente, a concentrarem-se «no trabalho que estamos aqui a fazer». Ponto.

Costuma dizer-se, em jeito de frase feita, que Portugal é Lisboa e o resto é paisagem. O que é profundamente injusto para o Porto e para não poucas cidades do litoral – e mesmo do interior –, cuja qualidade de vida progrediu muito mais do que na capital.

Esta displicência orçamental do primeiro-ministro confunde-se com a do seu substituto à frente da autarquia lisboeta.

Fernando Medina tem vindo a semear o caos na cidade, com obras a esmo, feitas de calculismo eleitoral e indiferença pelos transtornos causados.

Para um autarca ambicioso é tão urgente a obra de fachada, como para o primeiro-ministro é fingir que a ‘geringonça’ está para as curvas e funciona já em modo automático.

O Município parece ter encontrado um poço de petróleo. Exibe fartura de recursos, em contraste, por exemplo, com a degradação dos transportes públicos.

O ‘revertido’ Metro é um espelho exemplar do desmazelo – composições sujas e vandalizadas, escadas rolantes e elevadores cronicamente avariados, atrasos nos comboios, e até colapso na bilhética por falta de matéria-prima.

«Azar», explicou, com um encolher de ombros, o ministro do Ambiente que tutela o setor. Mas, para os sindicatos que paralisavam o Metro com afinco, agora não há razões de queixa. Foram devolvidas regalias ao pessoal, algumas absurdas, que desequilibraram a despesa.

Ora, como a manta não estica mais, corta-se na manutenção, piora-se o serviço e ‘assobia-se ao cochicho’. As pessoas que se amanhem.

Enquanto Medina se afadiga em volúpias de estaleiro, com mãos largas, Costa aperta nas ‘cativações’, eufemismo que deixa os hospitais nos mínimos e outros serviços públicos à beira de um ataque de nervos.

Com um sorriso ‘à Blair’, o primeiro-ministro transpira confiança por ter ‘domesticado’ o PCP e o Bloco. Ao menos foi divertido observar os porta-vozes das duas agremiações a contorcerem-se diante de um Orçamento que, se fosse assinado por Passos Coelho e Maria Luís, estaria morto à nascença.

A algazarra está em banho-maria. Infiltrar de fieis o aparelho de Estado é o objetivo principal que está a ser cumprido, perante a passividade do PSD e do CDS. O Orçamento pisca-pisca faz o resto. Se não bater certo, foi azar…