Oposição a Passos Coelho sai da toca

O Conselho Nacional foi morno, mas lançava um desafio. A oposição interna que se mostrasse. Horas depois, os críticos assumiram-se.

O relógio quase batia as dez da noite quando Pedro Passos Coelho entrou no Conselho Nacional do PSD, no Hotel Sana em Lisboa. E o presidente do PSD já sabia: no dia seguinte, um grupo de oposição interna sairia da toca. O movimento ‘Portugal Não Pode Esperar’, liderado por um antigo presidente da JSD, Pedro Rodrigues, iria apresentar-se com uma visão alternativa da seguida pela atual liderança.

Passos não desarmou e nos quarenta minutos que marcaram a sua intervenção de abertura deixou bem claro que se havia quem pensasse de maneira diferente que fizesse «o favor» de apresentar-se. A revista Visão já estava a imprimir e os assinantes, partido incluído, haviam recebido a edição online duas horas antes. Os críticos, de facto, fizeram o favor e apresentaram-se.

No artigo da publicação generalista, com direito a chamada de capa, era noticiada «uma Nova Esperança no PSD», fazendo referência ao grupo de notáveis sociais-democratas que, nos anos 80, condicionaram o futuro do partido com vozes como a de Marcelo Rebelo de Sousa, José Manuel Durão Barroso e Pedro Santana Lopes.

O movimento de críticos a Passos Coelho não tem nem barbichas nem uma geração fundadora. As nove ‘caras’ que saíram no artigo de apresentação do movimento e os assinantes do manifesto entretanto divulgado têm, de uma forma geral, ligações à juventude partidária antes liderada por Pedro Rodrigues. Mas, de certo modo, a geração fundadora e a velha Nova Esperança está lá por via de herança.

Miguel Corte Real já trabalhou com Santana (e com Rui Rio…), e João Pedro Gomes foi assessor do executivo de Durão Barroso, por exemplo. Além dos ‘nove’, o movimento já contará com meia centena de militantes interessados em contribuir para iniciativas e divulgação. O objetivo passa por recentrar o PSD em termos ideológicos, reaproximando-o da social-democracia da sua génese. Uma tese há muito suportada por Manuela Ferreira Leite, ex-líder dos sociais-democratas e apoiada tanto pelo líder do ‘Portugal Não Pode Esperar’, Pedro Rodrigues, como por outro dos seus companheiros de plataforma, Joaquim Biancard Cruz.

No Conselho Nacional do partido, Biancard, bastante próximo de Ferreira Leite, foi a única voz a levantar-se verdadeiramente com advertências à direção de Pedro Passos Coelho. O antigo eurodeputado do PSD criticou a inércia da liderança no que diz respeito às eleições autárquicas do próximo ano.

Reunião ‘morna’, despedida alegre

De resto, o Conselho Nacional desta semana ter-se-á passado «sem grande história para contar», diz fonte parlamentar que não está ligada ao movimento de Pedro Rodrigues. A reunião terá durado menos de três horas, tendo sido algo «morna».

Passos falou sobre o cenário macroeconómico e lançou duras críticas à governação do Partido Socialista, apelidando o executivo de António Costa de «trambiqueiros».

Mais alegre foi a despedida de Jorge Moreira da Silva. O vice-presidente dos sociais-democratas está de saída para a prestigiante OCDE e Passos Coelho deixou um rasgado elogio ao seu número dois. O muito especulado tema da sua sucessão não foi abordado por ninguém e a possibilidade de a direção deixar a vaga em branco continua a mais provavél a acontecer.

O ex-primeiro-ministro discursou sobre as propostas que o Partido Social Democrata apresentará para o Orçamento do Estado de 2017, especificamente em áreas «estruturantes para o crescimento do país»..

Fonte do Conselho Nacional que preferiu manter-se no anonimato revelou ao SOL que poderá ter havido alguma «cedência» de Passos Coelho neste capítulo, na medida em que «repetir a estratégia do Orçamento anterior ­– não apresentar qualquer proposta ­– iria cair bastante mal no partido e no eleitorado». Resumindo: «O PSD vai apresentar propostas que o PS e a esquerda vão rejeitar», nas matérias estruturantes. «Ninguém está a ver o Partido Socialista atrasar devoluções de sobretaxa ou a discutir uma reforma da Segurança Social, só por exemplo», acrescentou um deputado da bancada social-democrata. «Claro que é importante obrigar o PS a dizer ‘não’, mas não é mais que isso», conclui um dos que abandonou a sala logo após a intervenção de Passos.

Outro membro do Conselho Nacional revelou ao SOL que Passos «não negociará por mercearia, euro a euro, proposta a proposta» e que o chumbo final está «mais que garantido».

Esta postura ortodoxa perante a governação de António Costa marca o estilo de oposição criticado pelo ‘Portugal Não Pode Esperar’, que considera ser «tempo de agir». No comunicado à imprensa, lê-se mesmo que «não podemos assistir passivamente aos erros do governo», criticando assim a atitude «estática» da direção atual do PSD.

Ao SOL, André Pardal, uma das caras do novo movimento, diz que «o objetivo não é confrontar ninguém na direção do partido, mas sim debater o futuro do país e a parte programática do PSD». Advogado de profissão e antigo deputado à Assembleia da República, Pardal esclarece que o grupo promoverá iniciativas «não só em Lisboa mas também no resto do país», sendo uma equipa «heterogéna e não geracional».

Alguns nomes da notícia dos ‘nove’ tomaram posições mais cautelosas. Carla Mouro, ex-assessora de Cavaco Silva na Presidência da República, clarificou: «Não estou filiada em qualquer partido e valorizo a participação cívica. Mas não gosto de ser envolvida em associações políticas».

Por outro lado, Hugo Neto, diretor da Fundação de Serralves e conhecido por ser próximo de Rui Rio e Durão Barroso, afirma que viu as referências na imprensa e não faz parte de «qualquer comissão executiva». No entanto, deixou claro: «Com certeza que debato o futuro do partido e conheço muita gente deste movimento. Mesmo que esteja mais concentrado hoje em dia na minha atividade profissional, o partido atravessa um período difícil e é importante promover debate».

O SOL sabe também que o gabinete de Pedro Passos Coelho encarou a novidade com «naturalidade». Afinal, também ele criou uma plataforma para criar ideias antes de ascender a líder do PSD. Se a história se repete ou não, é algo que ainda está para ver.