Na primeira vez que António Costa vai a uma reunião da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) como primeiro-ministro, o desafio é grande. De acordo com juristas ouvidos pelo i, é uma proposta tão ambiciosa que pode não reunir o consenso requerido para seguir em frente junto dos países que compõem a CPLP. Costa, noticiava o “Público” de ontem, pretende “a liberdade de fixação de residência” entre todos os países da comunidade, de modo a facilitar a circulação dos seus cidadãos. A proposta poderá colocar em causa o Acordo de Schengen, que garante a livre circulação de pessoas, bens e capital no espaço da União Europeia.
Os especialistas académicos ouvidos pelo i, no entanto, apontam a uma dificuldade mais evidente.
Uma eventual “liberdade de fixação de residência” na CPLP não poderia ser decretada unilateralmente por Portugal, necessitando de aprovação dos restantes Estados-membros hoje reunidos na Cimeira de Brasília, algo que não se adivinha tarefa fácil mesmo para alguém habituado a lidar com o impossível como António Costa.
Nesse sentido, o maior entrave à proposta do primeiro-ministro português presume-se ser o regime angolano, devido “aos problemas conhecidos na cedência de vistos”, recorda um dos académicos.
A fonte lembra também que “é uma ideia antiga”, pois já há alguns anos se havia falado numa “cidadania lusófona” com aprofundamento da facilitação de circulação na CPLP.
Em 2001, o governo de José Manuel Durão Barroso assinou acordos que facilitavam a cedência de vistos por questões de saúde, para tratamentos, ou educação, para estudantes.
Os limites ou ambições da “cidadania lusófona”, assim, podem ir desde a facilitação de cedência de vistos à liberdade de circulação total, essa sim contraditória com Schengen. A questão passa “mais por pragmatismo do que pelo lado jurídico”. Porquê? Porque a liberdade total de circulação dos cidadãos europeus faz com que não existam fronteiras físicas, ou seja, um membro da CPLP que estabelecesse residência em Portugal poderia ir de carro até qualquer ponto da União Europeia. Representando a CPLP cerca de 250 milhões de pessoas, Bruxelas poderia afirmar que a potencial dimensão populacional seria tão extensa que colocaria a segurança interna do espaço Schengen em causa. “Poderia levar a deportações porque estas pessoas não seriam reconhecidas como cidadãos europeus”, reconhece outra jurista.
De certo modo, tal acontece numa escala mais reduzida devido ao Acordo de Porto Seguro entre Portugal e o Brasil, assinado em 2002, que confere essa liberdade de movimentos ao turista brasileiro num período até 90 dias, e “nunca Schengen se pronunciou contra isso”.
A conclusão dos consultados sugere que a proposta poderá ter sucesso caso sugira a facilitação de cedência de vistos “a curto e médio prazo para fins específicos”.