O eurodeputado socialista Manuel dos Santos admite que, num cenário extremo, os depositantes na Caixa Geral de Depósitos (CGD) com valores acima dos 100 mil euros podem ser chamados a ajudar na resolução dos problemas do banco público, através de “bail-in”: os depósitos que excederem aquele valor são reconvertidos em capital.
Em declarações ao i, o antigo secretário de Estado do governo de António Guterres reconheceu que essa será “uma situação extrema” que espera não venha a acontecer, “mas com esta trapalhada toda na Caixa, que já dura desde janeiro deste ano, é uma possibilidade que não pode ser excluída”.
“Se [os administradores] cumprirem a lei e entregarem as declarações de rendimentos e património como a lei exige no Tribunal Constitucional (TC), o processo voltará a uma certa normalidade. Se insistirem no braço de ferro e isso os levar à auto-demissão isso vai ter consequências no processo de resolução em curso”, admitiu.
Para este economista, “os custos reputacionais de toda esta operação para a CGD já são enormes. Foi mal lançada e mal acompanhada. Se os novos administradores não entregarem aquelas declarações no tribunal e acabarem afastados por incumprimento da lei, a Comissão Europeia pode optar por voltar com o processo atrás e , nesse contexto, impor um ‘bail-in”, alertou.
Esta solução, no fundo, faz deslocar os encargos destinados a salvar os bancos dos contribuintes para os investidores e depositantes obrigacionistas.
Segundo o eurodeputado, este é um dos dois cenários para resolver o impasse na CGD, sabendo-se que, uma vez já ultrapassados os 60 dias após a posse, a nova administração ainda não cumpriu com a legislação que a obriga a entregar as declarações de rendimentos e património.
“O ministro das Finanças comprometeu-se com soluções que não se aplicam aos gestores públicos ou de entidades de capital púbico. Isto começou em janeiro e já estamos em novembro. Foi um processo mal lançado e mal acompanhado, com custos reputacionais terríveis para a Caixa”, prosseguiu.
Esta situação já levou, do presidente da República ao governo, passando pelos partidos com assento parlamentar, a uma posição unânime exigindo à nova gestão liderada por António Domingues a entrega da documentação no TC.
Manuel dos Santos também não tem dúvidas de que aquilo que está a acontecer na CGD é um processo de “privatização envergonhada, indolor, da CGD onde se passam a aplicar as regras da banca privada”.
Nuno Melo fala em má imagem para o país Em declarações ao i, o eurodeputado Nuno Melo considerou igualmente que o processo em curso na CGD “manifestamente, afeta a imagem da Caixa e do Governo no país e na Europa”.
“Nas instituições europeias tem-se noção do impacto da crise da banca naquilo que é a realidade conjuntural do país e do que significa a injeção de dinheiro dos contribuintes, sempre contado em milhares de milhões de euros em diferentes bancos, um dos quais agora também a CGD, em valores que se iniciam de 2,7 mil milhões de euros”, disse.
Para Nuno Melo, a situação que tem vivido o banco público “não abona, nem a favor da Caixa, nem a favor do governo, nem a favor da imagem do país, e desde logo nos mercados e perante quem decide”.
“A credibilidade é o primeiro e um dos mais importantes fatores a ter em conta no domínio da economia e das finanças. Quando a credibilidade é afetada, há um dano. Resta saber qual é a sua dimensão”, lembrou o eurodeputado.
Nuno Melo defendeu ainda que neste momento era importante que “a imagem da CGD, assim a da intervenção da tutela, fosse de competência e de estabilidade. Infelizmente o sinal que é dado é da absoluta instabilidade na Caixa e da total incompetência no governo”.
E conclui: “não é líquido que, de futuro, a Caixa e o Estado não dependam de decisões das instituições europeias e do BCE para a resolução de problemas que surjam. E é desse ponto de vista que a credibilidade vale ouro, mas com este governo é desbaratada todos os dias em decisões básicas relativas à administração do banco público. Deveria ser uma jóia da coroa a preservar”.
Polémica à esquerda e à direita O PSD parece não querer dar tréguas ao Governo na questão da Caixa Geral de Depósitos, em particular a polémica sobre a entrega das declarações de património dos novos administradores. Esta segunda-feira, Pedro Passos Coelho colocou a pressão directamente sobre o primeiro-ministro, questionando se este terá assumido compromissos perante os administradores da CGD que o impedem agora de lhes impor a entrega das respetivas declarações de rendimentos.
Ainda ontem, o líder do maior partido parlamentar perguntava se foi ou não “o governo e o primeiro-ministro que escolheram” a administração da Caixa e se estes estão ou não a “dizer que é preciso cumprir a lei”, para rematar: “então, do que estão à espera senão dar indicações aos administradores de que têm de apresentar a respectiva declaração de rendimentos. Não percebo por que não o dizem”. Do lado do antigo parceiro de coligação, o CDS-PP, a líder Assunção Cristas mostrou-se indignada com o silêncio de António Costa, reafirmando que na ótica do seu partido “não há nenhuma razão objetiva que possa isentar a administração dos mais elementares deveres de transparência”.
As declarações dos dirigentes da oposição aconteceram no dia em que, pela primeira vez, um membro do governo veio afirmar, num tom inequívoco, que a nova equipa de gestão da Caixa “tem de entregar a declaração de rendimentos” no Tribunal Constitucional, porque não houve qualquer alteração legal sobre esta matéria. As palavras foram deixadas pelo secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, numa entrevista à TSF/Diário de Notícias. Já Marcelo Rebelo de Sousa teve de reafirmar o que apareceu escrito na passada sexta-feira na nota emitida pelo Palácio de Belém: “Disse tudo o que queria dizer, ponto por ponto, bem explicadinho para se perceber e não tenho mais nada a acrescentar”. E lembrou, em tom de aviso: “não há porta-vozes meus, não há fontes de Belém. A única fonte de Belém sou eu, é o Presidente”.
A esta polémica juntou-se também ontem o constitucionalista Vital Moreira. No blogue Causa Nossa deixou um comentário à posição de Belém acerca da obrigatoriedade da entrega das declarações. Para o antigo eurodeputado eleito pelo PS, “é evidente” que o presidente “poderia ter vindo dizer que promulgou esse diploma na convicção de que ele não afeta essa obrigação. Pode também manifestar a sua opinião política de que essa declaração deve ser feita. Tudo o mais na nota de Belém sobre o assunto era escusado. Nas funções do Presidente não cabe intervir publicamente e emitir parecer, feito jurisconsulto oficioso (por melhores que sejam os argumentos) sobre a interpretação da questão legal, cuja decisão cabe ao Tribunal Constitucional. Há o princípio da separação dos poderes…”