Hollande, Portugal e o défice

A imprensa portuguesa publicou em vários tons uma notícia segundo a qual François Hollande tem ‘maquilhado’ o défice público da França.

A revelação consta de um livro – Un président ne devrait pas dire ça… (Um presidente não deveria dizer isto…) – assinado por dois jornalistas do jornal Le Monde, Gérard Davet e Fabrice Lhomme, que conversaram 100 horas com o próprio Hollande.

Segundo os autores, Hollande e a União Europeia (inicialmente com Durão Barroso e depois com Juncker) estabeleceram um acordo secreto para apresentar previsões falsas do défice público.

Essa falsidade destinava-se, obviamente, a fugir a sanções.

«Podemos escrever que, durante todo o quinquénio [2013-2017], as autoridades francesas apresentaram previsões do défice intencionalmente falsas, e isso com a aprovação das próprias autoridades europeias», lê-se no livro.

Com base nisto, houve infindáveis discussões na imprensa, nas redes sociais e nas televisões.

Houve artigos desinteressados e outros menos.

As forças políticas que contestam o Tratado Orçamental chamaram-lhe um figo, brandindo o argumento de sempre: só os pequenos é que pagam, aos grandes não acontece nada.

E daí a concluírem que os pequenos não devem cumprir as imposições europeias foi um pequeno passo.

A todos os que escreveram ou falaram sobre o tema escapou, no entanto, uma pergunta básica: as sanções são impostas com base em ‘previsões’ ou em resultados apurados?

O livro fala sempre em «previsões».
   Ora, na União Europeia, o que vale não são as previsões – são os défices apurados por entidades independentes.

Em Portugal, o défice é calculado pelo Instituto Nacional de Estatística – e depois confirmado (ou não) pelo Eurostat, a única entidade europeia competente para o efeito.

E é esse número que conta.

Poderá dizer-se que estavam ‘todos feitos’ para martelar os resultados dos défices franceses.

Mas, a ser assim, se o Eurostat martelou os défices da França, então estamos perante uma fraude gravíssima – que exigiria uma explicação mais detalhada dos autores do livro e provas concretas.

E a marosca envolveria tanta gente que já se teria tornado pública.

Argumentar-se-á que o próprio Presidente confirmou o embuste ao dizer aos jornalistas: «É o privilégio dos grandes países. Nós dizemos: somos a França, protegemos-vos, temos umas forças armadas, uma força de dissuasão, uma diplomacia. E isso paga-se».

Ora, eu vejo nestas afirmações uma fanfarronice de Hollande para fazer crer aos franceses que ele tem um estatuto especial, que não se verga a Bruxelas.

Repito: as sanções são calculadas com base em ‘resultados’ e não em ‘previsões’.

Para já, esta história está muito mal contada.