Ninguém é verdadeiramente a favor e ninguém é verdadeiramente contra o comentário político. As causas e as consequências é que fazem divergir opiniões. Que efeitos surtem os comentadores nas notícias dos jornais e que interesses podem estar por trás deles?
Depois de Luís Marques Mendes divulgar a informação que mais dores de cabeça trouxe ao atual governo – sobre um decreto-lei que visava um regime de exceção criado para que a nova administração da Caixa Geral de Depósitos não fosse obrigada a divulgar as declarações de rendimentos e património – e de António Lobo Xavier admitir que sabia que havia provas escritas desse acordo entre o executivo liderado por António Costa e os novos gestores do banco público, a questão levantou-se de novo.
Dois senadores do arco de governação, antigos dirigentes de PSD e CDS-PP, respetivamente, faziam correr litros de tinta nas páginas da imprensa nacional. Teria o comentário político substituído o jornalismo de política?
José Pacheco Pereira, histórico do PSD e atual comentador, afirma que a “a função do comentário não é dar notícias nem competir com os jornalistas”. O que pode acontecer é a qualidade de quem comentar garantir “mais informações sobre algo” que tivesse escapado à curiosidade de um jornalista.
O historiador clarifica que “quem faz comentário recebe muitas informações, o que não quer dizer que se usem todas ou que sejam todas notícia”.
“Era o que faltava que dissesse tudo o que sei”, conta o prof. Pacheco Pereira ao i.
Mas porquê? A questão não parece, então, estar em saber se o comentário político é bom ou mau, mas mais em saber porque é que acontece. E é uma pergunta de resposta difícil.
Porque é que alguém que possui determinada informação escolhe passá-la a um comentador em vez de a fazer chegar a um jornalista? Será por causa da audiência? Afinal, um milhão de telespetadores veem o programa de Marques Mendes. Por outro lado, o comentador não tem de cumprir o código deontológico dos jornalistas.
Eduardo Cintra Torres, professor universitário e especialista na matéria, não crê que a origem do problema sejam os jornalistas.
“Há pessoas que preferem dar as informações aos comentadores políticos por não haver contraditório jornalístico”, explica o académico, na medida em que o jornalista tem de inquirir sobre a questão até a ver esclarecida e o comentador lida com a circunstância como melhor lhe aprouver. Cintra Torres vê exemplos dessa ausência de contraditório em Lobo Xavier e Marques Mendes. “E também era assim com Marcelo…”
No caso do comentário político, para Cintra Torres, “a fonte controla o mensageiro” porque a informação original não tem qualquer tipo de tratamento jornalístico; aí, “há um preço a pagar para os jornalistas”. E “o que é mau para os jornalistas é mau para os leitores”, lembra também.
Cintra Torres afirma que um dos preços a pagar é também o facto de o comentário “poder ser do interesse corporativo”. Isso ter-se-á verificado “no caso de António Lobo Xavier, que estava a defender o ponto de vista da administração da Caixa” no sentido de esta não mostrar a declaração de rendimentos.
Declaração, mas de interesses Cintra Torres defende, no entanto, uma solução. “Os comentadores deviam apresentar uma declaração de interesses” e, assim, o interesse público de manter os leitores e espetadores informados estaria mais salvaguardado.
“Eu não vejo mal nenhum em haver políticos a fazer comentário, há é demais a fazê-lo”, esclarece Cintra Torres.
O problema, remata, é “a sociedade civil não ser capaz de produzir bons comentadores e nenhuma televisão em Portugal ser independente o suficiente para não se querer dar bem com os partidos políticos”. “Vão buscar políticos porque gostam de se dar bem com os partidos.”