Uma carta fora do baralho

Há muito que se percebeu que Rui Rio seria o líder ideal do PSD para António Costa. Ainda este se preparava no Largo do Rato para empurrar António José Seguro pela escada abaixo e já não disfarçava a sua simpatia por essa hipótese.

Consumado o despejo de Seguro – antes que ele ganhasse mais ‘por poucochinho’ e resistisse a cair –, Costa continuou a interessar-se, com desvelo, pela liderança do PSD.

 Por essa altura, Rio hesitava e parecia mais empenhado em ‘empregar bem’ o economista, terminado o seu último mandato na Câmara do Porto.

O que se passou a seguir já se sabe. Seguro refugiou-se nas sebentas académicas – sem precisar (honra lhe seja!…) de fazer vida de rico em Paris. E como o eleitorado elegeu Passos Coelho em vez de Costa, este saltou o muro para os braços de Catarina e de Jerónimo, jurando fidelidade a ambos.

Consumada a ‘geringonça’, foi necessário um ano de rodagem – e não poucas derrapagens –, para Rui Rio se confessar, novamente, disponível para fazer descolar o PSD.

O lançamento foi preparado com método.

Primeiro, o Expresso apresentou-o, em manchete de capa, ‘revelando’ que ele estava a iniciar «contactos» para ser «alternativa a Passos».

A prosa, abastada de citações, sem nomear as fontes, não escondia as expectativas do jornal de Francisco Balsemão, a quem coube apresentar, no verão do ano passado, o livro Raízes de Aço, um «retrato intimista de Rui Rio», como então o definiu. 

O ‘balão de ensaio’ teve o efeito do costume. Como lhe competia, Rui Rio mostrou-se rogado, explicando que não fora a votos no último conclave do partido laranja e que não seria agora que iria pensar nisso.

Mas não tardou em mudar de ideias, após uma daquelas sondagens feitas à medida. E, em entrevista dada por escrito ao DN (não fosse o diabo tecê-las), logo admitiu que, afinal, não excluía a possibilidade de tirar a cadeira a Passos Coelho, se «não aparecer uma alternativa credível a disputar a liderança».

Foi uma boa notícia para Costa, acossado – até pelos parceiros – devido à sua desastrosa imperícia em relação à Caixa, entre outras trapalhadas em que se tem especializado.

Rui Rio não tem nada a perder. Faz um favor a Costa e, ao atiçar a cizânia na família social-democrata, desvia as atenções do desgoverno que os dados positivos sobre o PIB, anunciados pelo INE, não iludem.

O problema é que basta ler a entrevista que redigiu para o DN para se perceber que lhe falta o fundamental em política: um módico de intuição.

Não basta saber de contas, ter formação germânica, e ter afrontado Pinto da Costa enquanto autarca no Porto. Precisa de músculo para sair do casulo regional e de discurso que convença o eleitor. E até hoje não teve.

Quando quer mostrar raciocínio elaborado, sai-lhe um verbo esquisito. Quando ensaia um pensamento estratégico, sai-lhe uma frivolidade «disruptiva». Quando se pronuncia sobre os media, sobejam os exemplos do seu mau viver com a imprensa – aliás, muito à imagem de Costa. Ambos coabitam mal com a crítica.

Talvez por isso, Passos Coelho despertou de uma certa letargia e desafiou quem lhe inveje o lugar a vir à liça. Depois dele, com ironia certeira, Carlos Carreiras sugeriu a Rio que aproveite o seu voluntarismo para disputar as autárquicas. 

Ora, é esse o dilema de Rio, como já aconteceu antes com Alberto João Jardim, que reinou na Madeira mas nunca teve condado fora da ilha. 

A Jardim faltou o fôlego quando quis fazer as malas. E Rio já vacilou vezes demais. Recuou em 2008 e abriu caminho a Manuela Ferreira Leite. Voltou a retrair-se em 2010 e foi Paulo Rangel quem se chegou à frente, perdendo para Passos Coelho.

A proximidade das autárquicas e o nervosismo das clientelas – que não se revêem durante muito tempo fora do aconchego das sinecuras –, deram-lhe o pretexto para terminar o retiro. Afinal, Passos Coelho também ganhou as eleições por ‘poucochinho’…  

Sabe-se que foi essa impaciência que serviu de combustível às ambições de António Costa. Se não tivesse perdido o pudor e inventado a ‘geringonça’, o seu futuro já estaria penhorado. 

Assim, ao juntar os trapos’ com os comunistas do Bloco e do PCP, Costa acalmou a casa socialista, a viver em aflições, e sobreviveu ao colapso. Hoje acrescenta a arrogância ao engenho político.

Rui Rio abriu o guichet de reclamações e mostrou-se sensível ao «desconforto» das pessoas que o procuraram por «quererem uma mudança e expressarem o desejo de me ver a liderar o PSD».

Sonha com as autárquicas e arrisca o ocaso de Passos Coelho.  Mas ainda não percebeu que a sua carta está viciada e fora do baralho. O jogo de António Costa instrumentaliza-o. E poderá ser-lhe fatal. À cautela, Pacheco Pereira avisa que Passos Coelho «está de pedra e cal». E quem o avisa…