Geringonça. BE já tem caderno de encargos para o futuro

Aprovados dois orçamentos, BE e PCP estabelecem novos objetivos. Bloquistas querem reverter mudanças da troika no Código de Trabalho, comunistas querem aumentos de salários

O Orçamento do Estado (OE) foi aprovado ontem com os votos de PS, BE, PCP, PEV e PAN. Foi o segundo da legislatura e a aprovação representa o meio do caminho para a solução de governo à esquerda. Com mais dois orçamentos até ao final da legislatura e as medidas das posições políticas conjuntas já quase todas cumpridas ou em execução, BE e PCP olham para a frente e já desenham um novo caderno de encargos.

Para o BE, há dois grandes temas para o futuro: a renegociação da dívida, sem a qual os bloquistas acreditam não ser possível o necessário investimento público, e o trabalho. Sabendo que o dossiê da dívida é algo em que o PS não quer mexer para já, os bloquistas concentram-se para já na área laboral.

Reverter as alterações que a troika fez ao Código do Trabalho, lançar um plano nacional de combate à precariedade e reativar a contratação coletiva são medidas com prioridade máxima para a direção bloquista que servem para guiar a ação política do apoio ao governo.

Apesar de na cabeça dos dirigentes do BE já se desenharem as prioridades para a segunda parte do mandato do governo, os contactos com o PS ainda não começaram. O i sabe que só agora, depois de aprovado o OE, deverão começar as negociações que – ao contrário do que Marisa Matias chegou a defender publicamente – não serão vertidas num novo acordo político.

Não haverá nenhum acordo escrito, como preferem o PS e o PCP, mas negociações constantes que os bloquistas querem começar rapidamente. Para já, esperam para ver o Livro Verde das Relações Laborais que o governo entregará aos parceiros sociais na concertação social para começar a ter pistas do que pode ser o Plano Nacional de Combate à Precariedade, que já está acordado em termos de princípios, mas cujas medidas concretas ainda é preciso desenhar.

Líderes marcam agenda O líder da bancada bloquista, Pedro Filipe Soares, aproveitou, aliás, a intervenção antes da votação final global do OE para pôr as questões laborais na agenda da mesma maneira que o líder parlamentar do PCP, João Oliveira, anunciou a próxima luta dos comunistas. “Para o futuro mais imediato ficará a batalha do aumento dos salários, incluindo o salário mínimo”, avisou João Oliveira.

De resto, 2017 e 2018 estão na agenda das esquerdas como os anos em que se iniciará o processo de descongelamento das carreiras na Função Pública e BE e PCP não vão largar essas bandeiras.

Depois de um ano e dois orçamentos, a relação entre PS, BE, PCP e PEV é cada vez mais dominada pelo pragmatismo. Prova disso é a forma como os socialistas reagiram ao voto do BE ao lado do PSD e do CDS na proposta para obrigar os administradores da CGD a apresentar as declarações de rendimentos e que António Domingues viu como a ‘gota de água’ que o fez bater com a porta.

Voto do BE sem drama O PS não gostou da forma como BE votou naquilo a que o líder parlamentar socialista chama em tom irónico num “bloco lateral”, mas várias fontes socialistas atestam que não houve incómodo de maior e há até quem tenha sentido “alívio” por uma situação que ajudou a fazer cair Domingues e acabar com um longo processo que estava a desgastar o governo.

“Acabou por ser uma forma de acabar com a novela”, assume um dirigente socialista, que não esconde a preferência pelo modus operandi do PCP. “Há mais nervosismo no BE. Talvez porque começam a esgotar as suas bandeira e não têm muitos temas a que se agarrar”, aponta a mesma fonte.

Ontem, em entrevista à Renascença em vésperas do Congresso o PCP, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, não poupava nos elogios aos comunistas, apesar de defender a posição bloquista. “O BE foi coerente com aquela que sempre foi a sua posição. Nessa matéria, não há nenhum problema”, garantia Pedro Nuno Santos, que classificava o trabalho dos comunistas como “um contributo inexcedível para que o OE fosse melhor”.

Isto, apesar de o BE ter respeitado o princípio de não apresentar propostas que infringissem os limites orçamentais, enquanto o PCP propôs um aumento generalizado de 10 euros para todas as pensões que poderia ter dado sérias dores de cabeça ao governo se o PSD o tivesse votado favoravelmente.

Elogios públicos e tensões de bastidores à parte, os três parceiros da coligação de esquerda não têm motivos para quebrarem os acordos que os unem. Sabem que quem iniciar uma crise política ficará com o ónus de ter feito cair um governo que conta com índices de aprovação muito altos. Mas as sondagens servem também para alertar o BE, que está a perder terreno, e o PCP, que não está a descolar. É por isso que os próximos dois orçamentos serão decisivos para todos os partidos que formam a geringonça.