Há 14 anos, o BPN era “um banco pujante”, o malparado ainda não era um problema e a Inspeção-Geral de Finanças nunca fez “nenhuma observação” sobre a Caixa Geral de Depósitos que fizesse soar alarmes no Ministério das Finanças. Nessa altura, era Manuela Ferreira Leite quem estava no torreão do Terreiro do Paço e nada fazia prever que fosse necessária a comissão de inquérito que, por estes dias, tenta perceber como é que o banco do Estado precisa hoje de uma recapitalização de cinco mil milhões de euros.
As suspeitas de que muitas vezes a CGD serviu para financiar projetos públicos que se revelaram créditos ruinosos comandaram as perguntas à ex–ministra das Finanças. Mas Manuela Ferreira Leite foi ontem garantir aos deputados que nunca falou sequer de créditos com a administração então liderada por António de Sousa.
“Não vai haver ninguém da administração da CGD que seja capaz de dizer que algum dia eu tenha perguntado por alguma operação de crédito. Nem nunca sugeri nada. Não fazia parte da minha função falar sobre crédito”, assegurou Ferreira Leite que, ao longo de toda a audição, garantiu a total independência da administração em relação à tutela.
Ainda assim, a antiga governante quis que os deputados não perdessem de vista o impacto que tiveram as crises que transformaram em imparidades operações de crédito que à data pareciam acertadas.
“Muitos dos negócios que se pode considerar que não foram bem-sucedidos tinham um certo enquadramento na altura em que eram decididos, porque eram importantes para a economia”, disse, com a ironia de quem não quer ver julgado o passado com os olhos do presente. “Acertar nos prognósticos à segunda-feira é fácil”, ironizou, lembrando que, em muitos casos, as provisões “foram feitas não a 100%, mas a mais de 100%”.
“Tem de se ver se foram as imparidades que foram mal calculadas ou se foi a política económica que falhou”, avisou.
Planos furados “A minha interferência na administração da Caixa foi nula”, afirmou, depois de explicar que não conseguiu sequer aplicar as orientações estratégicas que competia à tutela definir.
Ferreira Leite diz que tinha em mente “dois pontos de natureza estratégica”: a operação da CGD em Espanha e melhorar a organização da gestão de um banco no qual a operação seguradora já dominava dois terços da sua atividade.
Ferreira Leite pretendia resolver o problema criado pela compra de dois “banquinhos” – como lhes chamou a social-democrata – em Espanha durante a administração de Rui Vilar. A ministra entendia que a pequena dimensão dos bancos comprados no país vizinho obrigava a que a sua atividade fosse “significativamente” cortada ou integrada numa escala maior com a aquisição de um banco de maior dimensão.
Por duas vezes, revelou Manuela Ferreira Leite, a CGD foi a concurso em Espanha para adquirir bancos que pudessem dar outro volume à operação, e por duas vezes perdeu.
Quanto à criação da holding, o tema chegou a ser discutido em Conselho de Ministros, mas a saída de Durão Barroso para a presidência da Comissão Europeia tornou impossível a concretização do novo modelo de gestão. “O tema foi discutido em Conselho de Ministros, mas ao fim de dois ou três dias tínhamos a notícia de que o primeiro-ministro ia abandonar funções”, contou ontem Ferreira Leite na comissão de inquérito à CGD.
Manuela Ferreira Leite admitiu apenas uma “tentativa” de pressão sobre a administração da CGD que saiu furada: a então ministra queria aumentar a participação do Estado nos lucros da Caixa de 50% para 60 ou 70%, para ter receita para fazer face ao défice, mas esbarrou na resistência de António de Sousa.
“Mas nem eu fui além de uma tentativa de obter uma maior participação, nem o presidente da CGD se subordinou a esse pedido. Não o cumpriu. Portanto, tanto um como outro ficámos nos limites das nossas competências: defendemos os interesses do país e da CGD”, revelou a ministra de Durão Barroso.
Cadeira quente para Bagão Depois de uma audição cujo maior sobressalto terá sido o soar de um falso alarme que serviu para interromper os trabalhos por breves segundos, a esquerda espera que, na próxima terça-feira, a audição do ex–ministro Bagão Félix traga dores de cabeça maiores à direita. PS e BE vão pedir explicações sobre a transferência do fundo de pensões da CGD para a Caixa Geral de Aposentações e sobre as operações financeiras com o BCP.
“A minha interferência na administração da Caixa foi nula” “Não vai haver ninguém da administração da CGD que seja capaz de dizer que algum dia eu tenha perguntado por alguma operação de crédito. Nem nunca sugeri nada. Não fazia parte da minha função falar sobre crédito” “Sempre fui contra a privatização da Caixa” “Muitos dos negócios que se pode considerar que não foram bem–sucedidos tinham um certo enquadramento na altura em que eram decididos, porque eram importantes para a economia” “Acertar nos prognósticos à segunda-feira é fácil”