O Portugal Socialista, órgão oficial do PS, publica o seu quarto número em maio de 1974. Soares, que chegou a Lisboa de comboio com Maria Barroso e outros socialistas – no que ficou conhecido como «comboio da liberdade» – escreve uma ‘saudação’. «Pela primeira vez o Portugal Socialista sai da clandestinidade aparecendo à luz do dia livremente» é o título do texto do fundador do partido.
Em abril de 1974 Mário Soares tem 49 anos. Fará 50 anos no dezembro seguinte. Metade da vida passou-a em ditadura, no exílio, na prisão.
«A nossa luta foi longa, semeada de incidentes de percurso nem sempre agradáveis, mas sempre animados da mesma inquebrantável determinação. Nunca perdemos a esperança nem hesitámos mesmo nos períodos mais sombrios, mesmo quando ao nosso chamamento – débil nas suas possibilidades de expansão – não respondeu senão um fraco eco».
Naquele primeiro texto aos militantes socialistas, Soares fala na «nova fase da vida nacional», alertando para os riscos. «Abre-se uma nova fase da vida nacional, que desejamos radicalmente inovadora, capaz de fazer de Portugal um país novo, vivendo a democracia, vencidas as sequelas do colonialismo, a caminho do socialismo».
Mas Soares alerta para as «dificuldades que vive o país». «As dificuldades que vive o país – nesta hora de júbilo – são tremendas, muito maiores porventura do que a maior parte do país supõe. Para as enfrentarmos vitoriosamente precisaremos de toda a nossa energia, como de toda a lucidez de que formos capazes».
Lucidez e «imaginação criadora», pede Soares em maio de 1974. «Perante uma situação inteiramente nova teremos de fazer apelo à imaginação criadora e de responder com eficácia e rapidez». «Temos de ser dignos das imensas responsabilidades que nos incumbem em unidade com todas as outras forças democráticas e de progresso». Mas Soares alerta que o PS não pode perder a sua autonomia, apesar dos apelos à unidade. «Mas se a unidade é indispensável – unidade também e sobretudo entre o povo e as Forças Armadas – importa que não percamos uma polegada da nossa autonomia e que defendamos a nossa própria imagem perante o país».
Estava iniciada a revolução «de transcendência histórica» e Soares deseja-a «pacífica», «feita no respeito da disciplina livremente consentida e com as liberdades por que tanto esperámos e de que começamos a usufruir com tanta alegria».
Mário Soares chegou a Lisboa a 28 de abril. Numa nota publicada na última página do Diário de Lisboa de 27 de abril, lia-se que «Mário Soares, o dirigente socialista português exilado em França, partirá hoje de Paris, por via férrea, a caminho de Lisboa». Na notícia, que cita um assistente de Mário Soares, está escrito que o PS decidiu «após deliberação do seu conselho governativo, chamar a Portugal o secretário-geral Mário Soares».
Mário Soares desce do comboio e fala, de altifalante, à multidão. Dá uma mini conferência de imprensa onde, quando lhe perguntam se vai colaborar com o general Spínola, responde: «Por que não? O general Spínola é um militar corajoso e respeitado que acaba de ter um papel fundamental no processo de pronunciamento das Forças Armadas. É credor de todo o nosso reconhecimento pelo ato histórico que acaba de realizar». De Santa Apolónia, Mário Soares segue para a Cova da Moura, quartel-general de António de Spínola, que preside à Junta de Salvação Nacional.
A história contada por Mário Soares, em entrevista ao i em 17 de abril de 2014. «Chegámos à estação de Santa Apolónia e havia, dentro e fora da estação, uma multidão a aplaudir-nos. Fomos levados ao primeiro andar e vimos então as pessoas a dar vivas à liberdade e aos militares do 25 de abril. Tive então de falar à multidão, com um megafone que me deram. E, enquanto falava, o meu camarada José Godinho gritou-me: ‘Acabe com isso que o general Spínola quer vê-lo’. Assim fizemos e fomos de automóvel para a Cova da Moura, conduzidos pela minha filha. Spínola tinha sido companheiro de Tito de Morais no Colégio Militar. Deu-lhe um abraço e depois levou-me para um gabinete e disse-me que estava muito preocupado com o que se poderia passar no dia 1 de maio, com os comunistas à solta. Podia ser um banho de sangue… Respondi-lhe que não seria assim – como não foi – mas que devia deixar que eu e um comunista fizéssemos um apelo pela televisão. E assim foi. O 1.º de maio foi uma grande festa da liberdade».
Mas Spínola tinha uma novidade para Mário Soares: sugeriu-lhe que Raul Rego, militante e fundador do PS e jornalista, fosse o primeiro-ministro. Soares disse que as coisas não eram assim – Raul Rego era militante de um partido que tinha uma hierarquia. O cargo de primeiro-ministro vai parar ao advogado antifascista Adelino da Palma Carlos. Soares recusa ser ministro sem pasta nesse primeiro Governo provisório (como Álvaro Cunhal) e opta por ser ministro dos Negócios Estrangeiros. Os seus contactos na Internacional Socialista são valiosos para a tarefa que se seguiu: apresentar a revolução portuguesa ao mundo.
«Não aceitei ser ministro sem pasta e só quis ser ministro dos Negócios Estrangeiros, o que no plano protocolar era bastante inferior. Eu já conhecia a maior parte dos dirigentes sociais-democratas e democratas-cristãos, os dois partidos que criaram a União Europeia. Foi uma sorte imensa», disse, na entrevista ao i.