Passos Coelho acusado de incoerência e de ferir a identidade do PSD

Notáveis acusados de estarem a ajudar o governo socialista 

Manuela Ferreira Leite foi a primeira a contrariar a posição do PSD contra a descida da Taxa Social Única (TSU) para os patrões. «Sobre essa matéria o PSD devia estar calado, o máximo que devia fazer era abster-se na votação». O leque de notáveis contra a decisão de Passos Coelho foi engrossando ao longo da semana. Marques Mendes, Silva Peneda, Paulo Mota Pinto, Pacheco Pereira e Nuno Morais Sarmento foram alguns dos ex-dirigentes que se insurgiram contra a decisão do PSD de não aceitar a descida da TSU ao lado do Bloco de Esquerda e do PCP, inviabilizando o acordo na concertação social.

O ex-líder do partido Marques Mendes foi dos mais duros nas críticas à direção do PSD. Classificou a decisão de Passos como «incompreensível» e «um monumental tiro no pé». «Vamos ver se não é, provavelmente, o maior erro de Passos Coelho desde que está na oposição», disse. Mendes arrasou a estratégia traçada pelo líder do PSD, ao ponto de considerar que «Passos Coelho, que teve sempre uma boa imagem, de político responsável, com sentido de Estado, está a perdê-la».

A discussão ideológica não é nova dentro do PSD desde que Passos Coelho, há seis anos, chegou à liderança. Passos foi acusado, desde o início, de se afastar da matriz social-democrata. Este é, porém, o momento, desde a existência da geringonça, em que o líder do PSD mais tem sido bombardeado com críticas internas.

Silva Peneda, ex-ministro de Cavaco Silva e ex-presidente do Conselho Económico e Social, escreveu uma carta ao presidente do PSD, publicada pelo Diário de Notícias, em que o acusa de ferir «muito gravemente a identidade do PSD e atenta contra o seu património». E mais: «É sabido que quando se começa a alienar património, normalmente o que se segue é a falência».

Na carta, Silva Peneda explica que tem «dificuldade» em aceitar que no PSD se «vote ao lado de forças políticas que nunca valorizaram a concertação social, nem o diálogo entre as partes, porque sempre tiveram uma conceção totalitária de exercício do poder».

Paulo Mota Pinto, vice-presidente do partido nos tempos de Manuela Ferreira Leite, também acusou a direção do partido de estar a negar «a matriz ideológica» do PSD. «A posição declarada pelo PSD sobre o acordo na concertação social é lamentável, porque contraria posições políticas e propostas assumidas pelo PSD desde há anos».

Morais Sarmento foi mais contido. No seu habitual comentário na Rádio Renascença, o ex-ministro de Durão Barroso não deixou, porém, de defender que «por causa daquela que é a história do PSD relativamente à TSU, o partido devia ter uma posição intermédia, podia abster-se para não ficar com a responsabilidade do que quer que fosse».

Passos não se incomoda, mas aparelho reage

As críticas abriram uma guerra entre os chamados notáveis e o aparelho do partido, que gostou de ver Passos Coelho a endurecer a forma de fazer oposição à ‘geringonça’. Passos Coelho limitou-se a garantir que não se «incomoda nada» com as críticas.

A resposta mais dura ficou a cargo de Luís Montenegro, que oito dias antes tinha anunciado que o PSD é «frontalmente contra» a descida da TSU para os patrões. O líder parlamentar atacou os críticos com o argumento de que estão «a fazer o jogo do governo e do PS» e «não são pessoas inocentes». À carta de Silva Peneda, Montenegro respondeu com a garantia de que «ele, nos últimos anos, tem estado muito mais convergente com as posições do Partido Socialista do que com as posições do PSD».

A tese de que as críticas a Passos são um serviço ao Governo foi desenvolvida por Carlos Abreu Amorim, vice-presidente da bancada parlamentar, e Carlos Carreiras, coordenador autárquico. A meio da semana, Carreiras escreveu, num artigo de opinião publicado na newsletter do partido, que tinha ficado «triste» por alguns companheiros de partido se terem deixado «capturar por este ar do tempo em que todos somos convidados a ser felizes sem constrangimentos de qualquer espécie».

No mesmo dia, Abreu Amorim, outro dos fiéis de Passos, saiu em defesa do líder e respondeu aos «pretensos notáveis» que «devem tudo ao partido» e «fazem escancaradamente o jogo estratégico dos socialistas ao mesmo tempo que se arvoram, atrevidamente, em paladinos únicos da identidade do PSD».

‘Ninguém pode ser proibido de pensar”

Pacheco Pereira insurgiu-se contra os ataques feitos a ex-dirigentes como Silva Peneda. «A maneira como Silva Peneda tem sido tratado é inadmissível. Ele tem toda a razão», disse o ex-líder parlamentar do PSD, na Quadratura do Círculo, na SIC. Para Pacheco Pereira, a direção do PSD «é como se fosse um bunker. Um bunker de interesses».

A reação da direção do PSD também não agradou a Carlos Encarnação. Ao SOL, o ex-dirigente diz que «ninguém pode ser proibido de pensar» e Passos «tem de conviver» com isso. «Não pode haver aqui uma caça às bruxas dentro do partido». Encarnação alinha com os que defendem que o PSD devia assumir outra posição neste debate. «António Costa devia ter consultado o PSD, mas, do meu ponto de vista, o PSD não deve fazer o que está a fazer de uma forma apenas reativa. O PSD está a assumir o papel de mau da fita».

Os apelos dos notáveis não fizeram Passos mudar de estratégia. A descida da TSU foi o momento escolhido para mostrar ao partido e ao Governo que o PSD não volta a salvar a ‘geringonça’. A partir de agora Costa só pode contar com o BE e o PCP.