No dia em que completou um ano sobre a data de eleição como Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa recebeu uma prenda dos partidos. Há pouco mais de uma semana tinha apelado a “um acordo de regime” para reforçar a descentralização. Governo e PSD manifestaram ontem essa abertura.
“O governo já mostrou abertura para considerar as propostas do PSD no quadro do debate sobre a descentralização”. A garantia foi transmitida ao i pelo ministro-Adjunto, Eduardo Cabrita, que tutela a área das autarquias locais. Cabrita respondia assim à abertura para o diálogo deixada horas antes pelo líder da bancada do PSD, Luís Montenegro, na apresentação de um conjunto de iniciativas legislativas para a descentralização.
Mas, na verdade, esta disponibilidade não deve ser dissociada do apelo de Marcelo Rebelo de Sousa no passado dia 13 quando, perante centenas de autarcas – no âmbito das comemorações dos 40 anos do poder local democrático – desafiou: “Temos à nossa frente escassos meses para fazer aprovar legislação que leve mais longe o sonho do poder local democrático nascido em 25 de Abril de 74 e institucionalizado na Constituição da República Portuguesa. O apelo que daqui faço aos partidos políticos é muito simples (…) que esqueçam o secundário que os divide e pensem no essencial que os deve unir, e que aprovem essa legislação”.
Esta vontade do Presidente parece não ter caído em saco roto. O governo há muito que anunciou que estava a trabalhar na descentralização.
Aliás, Eduardo Cabrita, já tinha dado o mote em meados deste mês. “A descentralização é para nós uma prioridade, sendo mesmo a base de uma reforma de Estado”, afirmou no final de um Conselho de Ministros em que foi discutido o modelo e o calendário do Plano de Descentralização.
O próprio primeiro-ministro e líder do PS também tinhaeleito, logo a abrir o mês, 2017 como “sendo o ano do maior passo descentralizador da democracia portuguesa”.
Não deve ter sido por isso uma mera coincidência que o PSD tenha vindo ontem reapresentar as iniciativas que já tinha levado à discussão no debate do Orçamento do Estado para este ano e que acabaram chumbadas pela maioria de esquerda. Na ocasião, o primeiro-ministro considerou que a discusão do OE não era a sede para debater a descentralização.
Os sociais-democratas avançaram ontem com um projeto de lei que procede à descentralização de competências para os municípios e entidades intermunicipais e nas freguesias no âmbito da educação, saúde, ação social, gestão territorial, gestão florestal, gestão da orla costeira, medicina veterinária, saúde animal e segurança alimentar.
Além do projeto-lei, os sociais-democratas anunciaram três projetos de resolução: um a recomendar ao governo que proceda à reorganização e prestação de serviços de atendimento da administração pública, outro para que proceda à criação de centros de serviços partilhados e valor acrescentado ao nível das entidades intermunicipais e, por último, um a recomendar ao executivo para dar continuidade ao processo de concretização da descentralização no âmbito da saúde, educação e cultura através da celebração de contratos interadministrativos.
Montenegro aproveitou contudo a ocasião para lembrar que o PSD não está, “naturalmente de acordo com tudo” o que o governo tem em carteira nesta matéria.
“Há aspetos que merecem a nossa discordância mas poderemos amadurecer isso”, assumiu o líder da bancada social–democrata.
Para Montenegro, “há algumas propostas do governo que merecerão uma atenção especial”, designadamente as relacionadas com a intervenção nas áreas metropolitanas e as das CCDR [Comissões Coordenadoras de Desenvolvimento Regional].
Quando lhe perguntaram se “a crispação” criada à volta da TSU não impediria um eventual entendimento entre PSD e governo (PS), foi prudente na resposta: “Tenho a convicção – não vou dizer segura por causa do que aconteceu no Orçamento do Estado – mas benevolente de que não se fecharão as portas”.
A própria Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP) veio também na passada semana dizer que a legislação sobre a descentralização de competências deve estar concluída no verão e reiterou o desejo de Marcelo Rebelo de Sousa acerca de uma acordo de regime nesta matéria.
“Não só achamos que é exequível, como é desejável”, defendeu Manuel Machado, presidente da ANMP.
“O governo já mostrou abertura para considerar as propostas do PSD no quadro do debate sobre a descentralização”