Valter Hugo Mãe lamentou esta tarde nas redes sociais a polémica que nos últimos dias envolveu o seu primeiro romance, “O nosso reino”. O post foi partilhado no Facebook praticamente em simultâneo com a notícia de que, afinal, fora um lapso que levara o livro a ser incluído nas recomendações de leitura para o 3º ciclo. A obra destinava-se a estudantes do ensino secundário e é dessa forma que continuará a constar das sugestões do Plano Nacional de Leitura.
“Ver o meu romance, ‘o nosso reino’, reduzido a duas frases, e por duas frases julgado, é sintomático do tempo de sentenças sumárias em que vivemos. Opinar passou a ser uma espécie de chelique imediato em que a maioria dos opinantes não sabe o que está em causa; não sabe, por isso, o que está a dizer.”, escreve Valter Hugo Mãe, defendendo que as frases da polémica, que incluíam as palavras “cu”, “racha” e “maricas” não refletem, de todo, o conteúdo da obra.
“[O livro] é a narrativa de uma criança de oito anos, de profunda candura, que ausculta a figura de deus numa tristeza grande pelos infortúnios da vida. Entre os assuntos que magoam esta criança estão as terríveis palavras que lhe dizem sobre a tia e, mais tarde, sobre um tio que chega de França. Essas duas passagens, no cômputo do livro inteiro, estão como punhais no peito puro da criança, e quem lê o livro não se choca com as palavras, choca-se com a tristeza e o desamparo de que se fala”, explica Valter Hugo Mãe, referindo-se às passagens que geraram o protesto dos pais de um liceu de Lisboa.
“Nos meus livros é-me comum abordar o abandono a que somos votados. Sou, desde sempre, impressionado pela solidão e "o nosso reino" é um retrato de uma solidão espiritual a partir do vulnerável ponto de vista infantil. Lamento que quem discuta acerca do desconforto de alguns pais, de jovens de 14 anos, com "o nosso reino", pareça ter-se esquivado a ler o livro e a perguntar se o choque provocado vem da sua efectiva leitura ou das duas frases que se autonomizaram sem contexto, parecendo sugerir que a obra é um exercício de perversão.”
O escritor sublinha que não é professor, mas já teve 13 e 14 anos. “Não me compete ajuizar da adequação de um livro a uma determinada idade escolar. Mas sei que o escândalo normalmente está na competência, ou falta dela, com que se abordam os assuntos. E sei que ter 13 e 14 anos não é uma deficiência, é um tempo natural de descobertas e de maravilha”.
Valter Hugo Mãe diz achar muito bem que os “pais que considerem os seus filhos imaturos para lerem determinadas obras os orientem noutras leituras. Como acho muito bem que os pais que reconheçam maturidade aos seus filhos os acompanhem em leituras desafiantes, no sentido de verdadeiramente esperar algo dos jovens que não seja apenas fútil e sempre adiado.”
“Sou a favor de não se tratar os jovens como estúpidos”, diz ainda. “Falta-lhes informação, mas a grandeza e a complexidade humanas estão plenamente contidas em alguém de 14 anos de idade. Importa saber se queremos fazer de conta que existem crianças com essa idade ou se preferimos atentar no esplendor do aparecimento de um ser mais pleno, perto de estar inteiro. Seja como for, o que me compete dizer é que o meu livro não é um torpe discurso. É, muito ao contrário, uma exposição enorme de ternura. Para não o perceber basta não ler.”