Há os filmes que fazem chorar, os filmes que angustiam, os filmes que chocam e os filmes que dão medo e em todos eles é sempre como se fosse connosco. “Insyriated” fez isso tudo de uma vez e fez mais e foi mais connosco. Soco no estômago, na consciência, na alma. Damasco em Berlim atirada à cara e de chofre. Sala lotada num transe de impotência, aplausos e silêncio, não há palavras nem cliché nenhum nisso, sala cheia numa espécie de letargia pós-traumática. Era então nossa esta guerra, mesmo nossa, no final de “Insyriated”, segundo filme do belga Philippe Van Leeuw como realizador, que teve este sábado à noite estreia na secção Panorama da Berlinale.
Levanta-se uma mulher que diz que tem amigos sírios, em Berlim há cada vez mais gente com amigos sírios. “Por favor. Digam-nos por favor o que fazer com isto. Tenho que fazer alguma coisa mas não sei o que fazer depois de ver este filme.” Com a falta de palavras e com o filme para que Van Leeuw decidiu partir há quatro anos, depois de ouvir a história de uma amiga de Damasco que tinha o pai fechado em casa em Alepo há três semanas sem telefone ou qualquer forma de comunicar com o exterior por causa dos bombardeamentos. “Imaginei este homem sozinho, prisioneiro na sua própria casa, e imaginei outros como ele, tentando sobreviver a cada dia”, recorda o realizador que a partir daí começou a trabalhar no argumento para um novo filme.
Toda a ação dentro de um apartamento, o importante era que o filme se fizesse rápido, emergência, caso de vida ou morte. E demorou quatro anos a ficar completo este “Insyriated” que infelizmente chega mais do que atual e ao sítio certo, o coração de uma Europa cansada de uma guerra que afinal não conhece. Um apartamento em Damasco prestes a ir pelos ares a qualquer momento. Sem heróis, todos vítimas, nenhum julgamento, a realidade dispensa o resto.
Uma sala em choque mas não, a guerra não é só isto. “Este é o filme que eu como refugiado sírio queria ver e queria que o mundo visse”, diz um homem da plateia no final da estreia de “Insyriated” em Berlim. “Mas para mim que vivi quatro anos de guerra na Síria e que abria os sites dos jornais internacionais e via apenas textos sobre o Estado Islâmico e análises políticas, isto é apenas um pequeno vislumbre do que se passa na Síria. Apenas um retrato de uma família num gigantesco álbum de pessoas que são mortas e que sofrem todos os dias.” -Não sabemos o nome deste homem, sabemos que é refugiado e isso é tudo e mais um soco que ninguém terá como amparar.
Refugiado como são todos os atores deste filme à exceção da árabe israelita que se dirá palestiniana Hiam Abbass (a mãe) e de Diamand Bou Abboud (Halima). A mãe que não deixa a casa por nada nem que para isso tenha que morrer. “Ir para onde quando não se tem para onde ir?”, pergunta a atriz. “Esta personagem fez-me lembrar a minha mãe, palestiniana a viver em Israel, que durante a guerra quis levar comigo para Paris, ou pelo menos para Jerusalém, e que me respondeu que os seus pais deixaram a sua casa em 1948 e que nunca mais puderam voltar. Esta mulher ser síria ou palestiniana é a mesma coisa, só dobra o problema, talvez a mensagem sirva a mais gente até.”
E se em “Insyriated” todas as lágrimas e desespero parecem reais é porque são mesmo e foram para todos neste sufoco coletivo de impotência que acontece quando se desce ao inferno e não se encontra saída.