"Em resumo, a ideia de que um défice zero seria bom para o país está errada por três motivos: primeiro, não é necessária para reduzir a dívida pública ao longo do tempo; imporia custos económicos e sociais sem precedentes, que poriam em causa a própria sustentabilidade da dívida no curto e no médio prazos; e impediria que o Estado cumprissem o papel para que existe", escreve Ricardo Paes Mamede no blogue 'Ladrões de Bicicletas'.
O economista escreveu um texto em resposta aos comentadores que nos últimos dias afirmaram que o Governo devia ter trabalhado para que défice fosse zero e não os 2,1%, que serão o valor mais baixo da História da democracia portuguesa.
Paes Mamede começa por explicar que "não é preciso que o saldo orçamental seja nulo ou positivo para que a dívida pública diminua" e que "não faz qualquer sentido estabelecer como objectivo da política orçamental a total eliminação da dívida pública".
Para expor o seu raciocínio, explica que "a dívida pública permanecerá estável em percentagem do PIB desde que a diferença entre receitas e despesas excluindo juros (ou seja, o saldo primário) for igual à diferença entre o crescimento nominal do PIB e a taxa de juro sobre a dívida pública".
Uma vez que os juros pagos por Portugal rondam em média os 4,5%, Ricardo Paes Mamede estima que o não agravamento da dívida pública seria compatível com um défice quase duas vezes ao conseguido pelo Governo de António Costa.
"Logo, nas circunstâncias atuais e salvo eventos inesperados, o não agravamento do rácio da dívida sobre o PIB seria compatível com um saldo orçamental de -4% – ou seja, um défice quase duas vezes superior ao registado neste ano", aponta o economista, que considera que " um défice de 2,1%, em condições normais, representa um esforço significativo de redução da dívida pública".
Além disso, Paes Mamede diz que uma redução para zero do défice só seria possível com um esforço de aumento de impostos e redução da despesa que teria efeitos graves sobre a economia, originando uma crise sem fim à vista.
"A tentativa de atingir saldos orçamentais nulos em Portugal implicaria aumentar substancialmente os impostos e/ou reduzir fortemente as despesas com educação, saúde e protecção social (principais rubricas de despesa pública). Em ambos os casos, isto reflectir-se-ia numa forte retração do consumo e do investimento, com implicações negativas no crescimento do PIB (tornando ainda mais exigente o esforço orçamental). Ou seja, implicaria uma recessão profunda e prolongada sem precedentes", sublinha o economista, frisando que esse esforço obrigaria a que nos próximos 20 anos se registassem "continuamente saldos primários positivos superiores a 2,5% ao ano – algo nunca visto em nenhum país no passado (muito menos em países com crescimentos nominais do PIB inferiores a 4% do PIB)".
"Tudo isto para quê? Qual a racionalidade de anular a dívida pública no longo prazo? Nenhuma, na verdade. Se faz sentido a uma família ou a uma empresa assumirem dívidas para investirem, ainda o faz mais quando se trata de um Estado, na medida em que este não tem uma duração limitada no tempo. O objetivo dos Estados é promover o desenvolvimento das sociedades, assegurando que a dívida pública é sustentável (o que depende de vários factores) e não reduzi-la a níveis diminutos", defende Ricardo Paes Mamede.