Apesar de o antigo secretário de Estado, Paulo Núncio, ter assumido as “responsabilidades políticas” pela não publicação de dados relativos às transferências de dinheiro para offshores, a verdade é que essa informação chegou ao fisco e só aí é que parte dela terá desaparecido.
Os bancos enviaram para a Autoridade Tributária os ficheiros referentes às transferências feitas entre 2011 e 2014 para paraísos fiscais, mas foi dentro da própria administração fiscal que desapareceu parte da informação de alguns ficheiros. É isto que justifica que um conjunto de transferências no valor de quase 10 mil milhões de euros não conste das estatísticas do fisco, revelou o “Público”.
Em causa estão 20 declarações de transferências para offshores, realizadas entre 2011 e 2014, que foram apresentadas pelas instituições financeiras mas que não foram objeto de qualquer tratamento estatístico nem fiscalizadas pela Autoridade Tributária (AT). Segundo o mesmo jornal, destas 20 declarações com falhas, 12 dizem respeito a transferências realizadas em 2014 e comunicadas ao fisco em 2015.
Ainda assim, as discrepâncias começaram a ser detetadas no ano passado, quando Fernando Rocha Andrade, o atual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, teve conhecimento de um conjunto de transferências feitas por uma só instituição financeira, em 2014, que não tinham sido devidamente tratadas pela Autoridade Tributária.
Altos quadros do Fisco
Mas os problemas não ficam por aqui. Os inspetores tributários já vieram recusar responsabilidades na não publicação desses mesmos dados, uma vez que “nunca tiveram acesso” a essas 20 declarações em falta.
“Os inspetores tributários responsáveis pela análise desses ficheiros [modelo 38] garantem que o desvio de quase 10 mil milhões de euros, corrigido nas estatísticas de dezembro de 2016 relativamente às de abril, dizem respeito a 20 declarações a que nunca tiveram acesso, algo de anormal”, afirmou fonte da Autoridade Tributária ao “Jornal de Notícias”.
Desta forma, segundo os mesmos, os dados das transferências para offshores comunicados pelos bancos às Finanças só poderão ter sido adulterados por um ou mais quadros superiores da Autoridade Tributária (AT). “Só funcionários com um nível de acesso superior poderão tê-lo feito”, sublinha a mesma fonte ao jornal.
O certo é que o então diretor da Autoridade Tributária, José Azevedo Pereira, surgiu na sexta-feira a garantir ter solicitado, por três vezes, autorização ao secretário de Estado para publicar os dados, ao que Paulo Núncio terá respondido apenas com um visto, não despachando assim formalmente a publicação.
Azevedo Pereira admite poderem ter existido “erros de perceção” na troca de informação, mas ainda assim considera que esses erros “nunca demoram quatro anos a resolver”.