Há 10 mil milhões de euros que saíram do país para offshores entre 2011 e 2014 que não foram alvo de qualquer “controlo inspetivo”. Os dados constavam das declarações entregues pelos bancos à Autoridade Tributária, mas não entraram no sistema central informático da máquina fiscal e, por isso, não foram objeto de qualquer inspeção. A consequência? É impossível para já afirmar com certeza que não tenha havido perda de receita fiscal para o Estado.
“Não estou em condições de dizer que há zero cêntimos de impostos em falta”, assumiu ontem o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, na Comissão de Orçamento e Finanças.
Impostos prescritos?
O que Rocha Andrade também não pode garantir é que o fisco ainda esteja a tempo de recuperar todos os impostos que seriam devidos em relação a estas transferências. É que, se o anterior governo aumentou de quatro para 12 anos o prazo de caducidade das dívidas fiscais, é possível que haja impostos devidos relacionados com a origem do dinheiro transferido que já podem ter prescrito.
O governante considera que “é juridicamente duvidoso que a caducidade de 12 anos se aplique a operações nacionais que estejam na origem dos rendimentos transferidos”, pois sempre que há inspeções sobre transferências para paraísos fiscais analisa-se não só os impostos que poderão ter de ser pagos na sequências dessas operações, mas também se foram declarados e pagos os rendimentos que foram transferidos.
O trabalho de inspeção que a Autoridade Tributária tem pela frente não será, contudo, fácil. É que os 10 mil milhões transferidos entre 2011 e 2014 correspondem a 14 484 transferências e agora é preciso que os serviços identifiquem o risco destas operações para as submeterem ou não a inspeções.
Com os dados que já tem na mão, Rocha Andrade ainda não consegue ser muito preciso sobre o que está em causa nestas mais de 14 mil transferências, mas há já alguns elementos que permitem perceber do que se está a falar.
Valor oculto superior
O primeiro que salta à vista é que o valor médio destas “transferências ocultas” – que não constam das estatísticas nem estão no sistema informático do fisco – é muito superior ao das cerca de 34 mil transferências cujos dados estão completos no sistema central da Autoridade Tributária. É que estes 10 mil milhões de euros são um valor “cerca de 21 vezes superior” – como revelou ontem Rocha Andrade – aos dados totais de transferências para offshores entre 2011 e 2014 que eram conhecidos até ao verão do ano passado.
“O valor oculto em 2014 ultrapassou o valor declarado”, disse Rocha Andrade, explicando que está agora “a tentar compreender se a caracterização das transferências ocultas é ou não idêntica às que foram publicadas”.
O que já se sabe é que 80% destas transferências foram feitas por pessoas coletivas. E que cerca de 58% correspondem a transferências para outra conta de um mesmo titular. Ou seja, apenas 33% são imputáveis ao pagamento de bens e serviços, o que é relevante porque, à partida, este tipo de pagamentos de faturas não estão sujeitos, por si só, ao pagamento de impostos. O que é preciso é perceber se, em relação a esses 58%, haveria ou não impostos a pagar.
Outro dado que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ontem adiantou é que 97% de todas as transferências para o Panamá estão no lote das transferências ocultas e que mais de 90% das transferências para as Antilhas Holandesas também fazem parte destas mais de 14 mil que não foram publicadas em estatísticas nem entraram no sistema informático da Autoridade Tributária.
O que Rocha Andrade não quis revelar foi se há ou não particular concentração de operações realizadas por um banco em especial. “Na incerteza ainda sobre os limites do sigilo, preferia não responder”, limitou-se a afirmar o governante.