Acusação a vice angolano afeta visita de Costa

Secretário Geral da UCCLA entendeu que Ministério Público foi pouco prudente ao anunciar a acusação ao vice-Presidente, Manuel Vicente no atual contexto atual

O secretário-geral da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA) questionou a oportunidade do Ministério Público (MP) em divulgar o resultado da investigação ao vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, considerando que esse anúncio afetou, «obviamente, as deslocações previstas para breve do primeiro-ministro e da ministra da Justiça» a Luanda. Além disso o assunto transformou-se no tema «central do debate político-eleitoral interno» em curso no país, com eleições gerais marcadas para agosto próximo.

O MP acusou em meados de fevereiro Manuel Vicente de corrupção ativa e branqueamento de capitais, durante as investigações no âmbito da operação Fizz. Foram também acusados o procurador Orlando Figueira e Armindo Pires. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), Manuel Vicente, que era à data dos factos presidente da Sonangol, é acusado de um crime de corrupção ativa (em coautoria com os arguidos Paulo Blanco e Armindo Pires), um de branqueamento (em coautoria com os restantes arguidos) e um crime de falsificação de documento (em coautoria com os restantes arguidos).

«Se é verdade que o MP tem todo o direito de investigar crimes praticados por nacionais ou estrangeiros, não é menos certo que deve, como é óbvio, avaliar em situações como a que ocorreu com o vice-Presidente de Angola, se o momento adequado para tornar público o resultado da investigação foi este, ainda por cima quando o mesmo não corria o risco de prescrever», disse ao Sol Vítor Ramalho.

Para o também jurista, todos sabem que «há eleições gerais em agosto em Angola e que a divulgação neste momento tornou esse facto o centro do debate político em curso naquele país e afretou as deslocações previstas de governantes portugueses para os tempos mais próximos».

O antigo deputado admitiu, por isso, que a visita a Angola do primeiro-ministro, António Costa, prevista para a primavera, «só venha a acontecer depois das eleições gerais de agosto e já com um novo poder instalado em Luanda».

Todavia, adiantou que Portugal está a «fazer tudo para manter as excelentes relações entre Lisboa e Luanda», sustentando esta afirmação com a «recente decisão das autoridades portuguesas em reforçarem em 1.500 milhões de euros uma linha de crédito para apoiar as 5.500 empresas nacionais instaladas naquele país africano de língua oficial portuguesa».

«Como é óbvio não está de maneira nenhuma em causa qualquer independência do MP ou a subjugação ao poder político, o que não faz sentido, mas apenas ter a consciência do mundo em que se vive, em que existe uma cada vez maior interdependência entre os estados e a necessidade que os países lusófonos têm em reforçar as relações», acentuou.

Para o jurista, «se esta situação tem ocorrido noutra altura, em que houvesse tempo para a diplomacia amaciar este quadro, nada disto se estaria a passar».

«Independentemente da avaliação que se possa fazer de outros regimes políticos, nomeadamente de Angola, nem a política se pode subjugar à justiça, nem a justiça à política», disse.

Vítor Ramalho lembrou que «nas relações externas entre Estados, e para que estas não sejam inquinadas, é à política que cabe o comando, porque são os órgãos de soberania políticos que os representam. Assim sendo, os Estados estabelecem regras próprias consagradas pelo direito internacional quanto aos mecanismos processuais de acusações contra diplomatas de outros países ou membros de órgãos de soberania. Os portugueses assistiram recentemente a uma situação dessas, no caso dos filhos do diplomata do Iraque, em que estes acabaram por não ser julgados em Portugal».

«Portugal, que respeita as leis de Angola pelos convénios jurídicos estabelecidos entre os dois países, sabe que o vice-Presidente angolano goza de imunidade no exercício das suas funções, o qual se prolonga por um período dilatado terminadas as mesmas, tendo por isso o direito de ser respeitado e de nem sequer precisar de responder no processo», recordou.

Para o secretário-geral da UCCLA, «por mais que se faça, as relações entre o povo português e os povos angolanos são indestrutíveis, por razões afetivas, familiares e de interesse».

«Angola reagiu como Portugal reagiria se um qualquer país africano tomasse um decisão semelhante sobre um Presidente ou um primeiro-ministro portugueses», concluiu.

Ainda esta semana o ministro dos Negócios Estrangeiros reafirmou a disponibilidade do primeiro-ministro, António Costa, para visitar Angola nos próximos meses, embora tenha admitido que essa viagem acabe por se realizar apenas depois das eleições gerais angolanas, previstas para agosto.

«O Governo está a trabalhar no cenário que acertou com as autoridades angolanas» para que a deslocação se realize «na data mais breve possível, que seja de interesse de ambas as partes».

Augusto Santos Silva reforçou que, do ponto de vista do Governo português, há «todo o interesse em que a visita se realize».

«Nós compreendemos que o calendário político-eleitoral em Angola coloca restrições. Por isso entendemos que o que faz sentido é que essa visita se realize na primavera ou depois, já com um novo Presidente e um novo executivo», disse.

Portugal está neste momento a aguardar que as autoridades angolanas avancem com a indicação de uma data, na sequência da visita que o responsável pelo Palácio das Necessidades realizou a meio de fevereiro último a Angola.

«Quando Angola entender que seja a melhor data para a visita do primeiro-ministro de Portugal a Angola, ela realizar-se-á», assegurou o titular da pasta dos Negócios Estrangeiros.

Em fevereiro foi adiada sine die uma deslocação a Luanda da ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, sem que tivesse sido dada, na altura, qualquer explicação pelo executivo angolano. Dias depois, o de Luanda classificou como «inamistosa e despropositada» por parte das autoridades portuguesas a divulgação da acusação do MP ao vice-Presidente angolano, Manuel Vicente.