O governo quer mudar as regras da supervisão do sistema financeiro. O desenho final do que o governo está a preparar será apresentado “nas próximas semanas” e ficará em discussão pública durante três meses. Mas ontem Mário Centeno levantou a ponta do véu sobre o que pretende fazer e revelou que vai retirar poderes ao Banco de Portugal.
Para já, o ministro das Finanças anunciou a criação de uma nova entidade de supervisão, que ficará acima do Banco de Portugal, da CMVM e da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF).
O objetivo é que este novo organismo – ainda sem nome – supervisione e coordene o trabalho destas três entidades supervisoras, mas ficou ontem a saber-se, na ida de Centeno ao parlamento, que absorverá também alguns dos poderes que estão hoje no Banco de Portugal.
Que poderes são estes? A nova entidade máxima de supervisão vai ficar com os poderes de resolução bancária e de supervisão macroprudencial, que hoje estão na lista de competências do órgão liderado por Carlos Costa.
Isto significa que o Banco de Portugal deixará de gerir o Fundo de Resolução. Ou seja, deixará de ser simultaneamente regulador e acionista de bancos que foram alvo de resolução. Uma medida que vai ao encontro do que António Costa tem repetidamente defendido sobre a necessidade de separação dos poderes de resolução dos poderes de supervisão.
A ideia de colocar sob a tutela desta entidade a supervisão macroprudencial faz com que o Banco de Portugal deixe de ter poderes no que toca aos equilíbrios do sistema financeiro, nomeadamente no que toca à definição de reservas adicionais nos bancos.
“Será proposta a criação de uma entidade com a missão de assegurar a troca vinculativa de informações e a coordenação da atuação das autoridades de supervisão, substituindo o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros e o Conselho Nacional de Estabilidade Financeira”, anunciou ontem o ministro das Finanças no parlamento, explicando que esta nova entidade terá “a responsabilidade última pela estabilidade financeira, deverá ter as funções de autoridade macroprudencial e a autoridade nacional de resolução”.
Não se conhece ainda a posição do governador do Banco de Portugal sobre a perda de poderes na supervisão macroprudencial, mas Carlos Costa já se tinha mostrado defensor da ideia de o órgão que regula deixar de ter a seu cargo a gestão dos veículos que resultam da resolução de bancos, como o Novo Banco para o BES ou a Oitante para o Banif.
BE quer afastar Costa Certo é que Carlos Costa voltou ontem a estar na berlinda durante o debate parlamentar. Mário Centeno reafirmou a ideia de António Costa de que o governo ”tem de trabalhar forma leal e construtiva” com o Banco de Portugal, mas deixou claro que o governador não pode estar imune à crítica.
“Há um certo sentido de confusão entre independência e desresponsabilização em algumas das afirmações que aqui foram feitas”, disse o ministro das Finanças perante os deputados, em resposta a críticas que vieram das bancadas da direita, para avisar que ideia de que não se pode criticar o regulador para não pôr em causa a sua independência “aproxima-se da sua desresponsabilização e isso é perigosíssimo”.
A visão de Centeno não é bem vista pela direita que repudia o aparente braço de ferro entre o governo e Carlos Costa na indicação de nomes para a administração do Banco de Portugal. Mas à esquerda o tom do ministro das Finanças parece ainda demasiado brando com um governador que – segundo uma reportagem da SIC – terá fechado os olhos a vários avisos para o colapso iminente do BES.
“Carlos Costa está a mais no Banco de Portugal”, afirmou ontem a deputada do BE Mariana Mortágua, que anunciou que o seu partido vai propor ao governo o afastamento do governador do Banco de Portugal. Uma iniciativa que não deverá ter acolhimento no executivo, mas que serve para o BE marcar a sua posição.
“É em nome da estabilidade do sistema financeiro e é também em nome do interesse dos contribuintes lesados pela inação ou pela má ação do governador do Banco de Portugal que o BE vai apresentar na Assembleia da República um projeto de resolução para recomendar ao governo que retire Carlos Costa do Banco de Portugal, exigindo a sua demissão”, revelou Mariana Mortágua num debate que começou por iniciativa do CDS.
O partido de Assunção Cristas levou ao parlamento várias propostas para regular o sistema bancário, mas não conseguiu ter da esquerda uma resposta clara sobre quais das suas ideias poderão vir a ter acolhimento. Isto, apesar de haver pontos de contacto no que toca por exemplo às restrições à venda de produtos financeiros de risco ao público – que é algo que o BE, por exemplo, também defende.
Uma das ideias dos centristas é a alteração do sistema de nomeação do governador do Banco de Portugal. “Esta proposta pode resumir-se numa frase: o governo propõe, a Assembleia ouve e o Presidente nomeia”, explicou a deputada Cecília Meireles, propondo uma mudança que alguns juristas defendem que só se poderia fazer com uma alteração à Constituição que precisaria de uma maioria de dois terços para ser aprovada no parlamento.
PSD com ‘reservas’ O PSD mostrou-se aberto à discussão para “aperfeiçoar a supervisão” do sistema bancário, mas não gostou da ideia levada ao parlamento por Mário Centeno.
António Leitão Amaro avisou que o PSD tem “as maiores reservas quanto à autonomização do poder de resolução”, defendendo que as mudanças das regras “não podem permitir uma fragmentação da ainda escassa capacidade instalada e massa critica nos reguladores nacionais”.