Salazar, PREC, milícias, ameaças e votações. A tarde de ontem na Assembleia foi tão quente quanto na restante Lisboa.
Sendo certo que os votos de condenação ao cancelamento de uma conferência de Jaime Nogueira Pinto na Universidade Nova foram aprovados, a polémica que dominou esta semana não deixou de atiçar o debate parlamentar.
CDS vs Bloco
O caldo, de facto, entornou quando Jorge Costa, deputado do Bloco Esquerda, acusou o PSD e o CDS de “alinharem pela extrema-direita”. Costa, como Pedro Delgado Alves, do PS, defenderiam o envolvimento de “uma milícia”, mas a acusação aos partidos do centro-direita não caiu nada bem e Eduardo Ferro Rodrigues, o presidente da Assembleia, foi várias vezes obrigado a pedir silêncio. Telmo Correia, do CDS-PP, pediu de volta uma defensa de honra da sua bancada.
“O CDS está aqui e está nesta câmara porque uma primeira geração de centristas e dirgentes do CDS confrontou aqueles que queriam fazer de Portugal um estado totalitário”, disse Correia, que não ficou por aí. “Convém lembrar que nessa altura quem liderou muitas vezes esse processo não foram grandes figuras políticas do CDS nem do PSD (…) foram grandes figuras do Partido Socialista”, atirou Telmo para a bancada do partido de Governo, que não gostou nada. “Nessa altura o PS não se ria perante este tipo de acusações”.
A isto, Carlos César, presidente do grupo parlamentar socialista respondeu que “em matéria de liberdades, o CDS-PP deve mais ao PS do que o PS deve ao CDS-PP”.
Jorge Costa, do Bloco, havia defendido a associação de estudantes da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas [FSCH] – que se pronunciou contra a cedência de uma sala após uma moção em reunião geral de alunos – com “o direito de não patrocinar as iniciativas de outros” e a decisão da direção da faculdade de não permitir a conferência com Nogueira Pinto “por razões de segurança”.
“A coberto de uma conferência estava a ser preparada uma mobilização de uma verdadeira milícia de arruaceiros de extrema-direita”, apontou o bloquista, que ainda falou em “invasão da associação de estudantes”. “Neste episódio o que fica à vista, sim, é o alinhamento do PSD e do CDS com a nova cultura da extrema-direita na criação de factos alternativos e mentiras” e foi aí que tudo descambou.
PS vs PSD
Pedro Delgado Alves, vice-presidente da bancada do PS, também defendeu as posições da associação de estudantes e da direção da FCSH e também referiu a existência de uma milícia, termo que segundo o Oxford Dictionary corresponde a uma “força militar de atividade rebelde ou terrorista, ao contrário de um exército regular”.
“O que aconteceu na FCSH é hoje particularmente claro por força daquilo que disse o conselho diretivo e por força do que disse também a associação de estudantes”, introduziu Delgado Alves.
“Por isso mesmo, subscrevemos um voto em que se torna absolutamente clara a rejeição de qualquer atuação que tenha levado à não realização da conferência do professor Jaime Nogueira Pinto, mas simultaneamente não esquecemos a presença e a vontade de grupos – esses sim violentos – que disseram que estariam presentes através de milícias, de duvidosa legalidade e claríssima incompatibilidade com o sistema democrático, queriam estar presentes e representavam uma ameaça, que nos últimos dias têm ameaçado fisicamente a direção da associação de estudantes da FSCH e todos aqueles que se opuseram”, defendeu ainda o socialista.
Do lado do Partido Social Democrata, respondeu Carlos Abreu Amorim, que viu na concordância entre os argumentos do Bloco de Esquerda e do PS uma consequência da atual solução de governo.
“O PS teve aqui uma intervenção extraordinária quando nos tenta fazer crer que não se passou nada antes da suspensão da conferência e que tudo foi uma ilusão de óptica. Isto é sintomático de como, na realidade, o PS está cada vez mais refém de forças da extrema-esquerda”, ripostou Abreu.
Miranda Calha, Ascenso Simões, Vitalino Canas e Helena Roseta foram os deputados socialistas que não seguiram a posição do seu grupo parlamentar, votando a favor do texto do CDS e de uma das alíneas do texto do PSD. O Partido Socialista e o PAN abstiveram-se, o Bloco, o Partido Comunista e Os Verdes votaram contra.
Foi também aprovado o voto de condenação proposto pelo PS, pelo Bloco e pelo PAN.
Sem ameaças, com ameaças
O SOL falou com o grupo que se dirigiu à Universidade Nova – a denominada milícia – que negou ter feito ameaças à associação de estudantes, querendo apenas debater o cancelamento da conferência, a que queriam assistir, e entregar uma carta de protesto à direção, que acabou por ficar na portaria.
“Fomos cerca de 40 e organizámo-nos em uma hora. Nenhum de nós faz parte da Nova Portugalidade [o movimento que convidou Nogueira Pinto] e nenhum de nós milita no PNR [partido nacionalista que convocou uma manifestação contra a faculdade devido ao cancelamento da conferência]”.
Fonte da associação de estudantes que preferiu reservar-se ao anonimato afirma, pelo contrário, que “as ameaças aconteceram”, mas que não foi apresentada queixa às entidades policiais.