“Prolongada inação política”, “ausência de uma defesa firme do interesse nacional”, “irresponsabilidade política”, é como Rui Rio descreve os tempos da “troika” em Portugal, numa descrição que não abona nada a favor de quem exercia funções de governo na altura, ou seja, o PSD de Pedro Passos Coelho – à data primeiro-ministro.
Apesar de as críticas do artigo de opinião, assinado ontem no Diário de Notícias, incidirem primeiramente – e até em título – na União Europeia e no modo como lidou com o setor bancário português, o executivo de coligação PDS/CDS não fica nada bem na fotografia.
Mesmo com o eurocepticismo de Rui Rio a inaugurar um discurso menos consensual nos partidos do centro político em Portugal, as críticas do antigo secretário-geral social-democrata não deixam de afetar quem governou durante o despontar da “quebra de confiança no nosso sistema financeiro” referida por Rio: o seu próprio partido; cuja liderença, a disputar em congresso agendado para 2018, não está por si descartada.
Sprechen Sie, Banif?
Mas as críticas à Europa, num período de tamanha vulnerabilidade do projeto comunitário, são sérias.
O título, em indireta referência ao germanocentrismo da UE atual, está escrito em alemão. “So nicht, meine herren”, isto é, ‘assim não, meus senhores’.
A ‘troika’ – o Banco Central Europeu, o Fundo Monetário Internacional e a própria União – são logo de início acusados de “chocante incapacidade relativamente à situação do sistema bancário português”.
Para Rui Rio, o caso do BANIF (Banco Internacional do Funchal) “tem particularidades próprias que não podem deixar de nos preocupar no que concerne ao funcionamento da União Europeia destes nossos dias”, sendo que, para si, “tudo, nesta triste história, é chocante”.
Sobre Portugal, a Europa e o BANIF, escreve Rui Rio que contribuíram “a falta de transparência”, a “prepotência e contradições das instâncias europeias”, a “incompetência das anteriores administrações do banco”, a “leviandade de alguma comunicação ‘social’” – trazendo o social entre aspas –, “as falhas do Banco de Portugal” e a “incapacidade da justiça”, assim como os “atropelos a regras e valores estruturantes da nossa sociedade”, sem especificar exatamente quais.
Quem é quem?
Pedro Passos Coelho, pela “prolongada inação [e irresponsabilidade] política”; Angela Merkel, pela referência linguística; Luís Amado, pela “incompetência” da administração do BANIF; António Costa, pelo “desastroso resultado final”. Todos levam uma achega de Rui Rio sem serem sequer nomeados diretamente. Mas levam.
Rui Rio pouco tem aparecido publicamente desde que se assumiu, também em entrevista ao DN, como putativo candidato a presidente do Partido Social Democrata. Promoveu a criação de um imposto para o pagamento da dívida, negou qualquer intenção de reunir um congresso extraordinário via recolha de assinaturas e afirmou numa conferência que “não deve haver no mundo performance tão má como a da economia portuguesa”.
Rio não está, portanto, em campanha aberta pela São Caetano à Lapa. Mexe-se nos bastidores, conversa ao telefone (mas com poucos), fala em eventos do partido, pedindo porta fechada à tal comunicação “social” e encabeceia jantares. O artigo de ontem é uma breve emersão para depois tornar às profundidades laranjas.
Entre os sociais-democratas correm duas leituras. Uns estão certos que vai a congresso, apesar de já ter desiludido expectativas de apoiantes mais que uma vez, outros desvalorizam porque “o congresso que conta é o depois das legislativas”, escutou o i.
“No próximo congresso, perde-se para Passos, não sei se Rui Rio já percebeu isso”, questiona fonte reservada ao anonimato, que não vê as autárquicas como suficientes para morder os calcanhares ao ex-primeiro-ministro. “Só há pós-Passos se ele sair pelo próprio pé e Passos só sai pelo próprio pé se perder eleições legislativas”, resume como conclusão o mesmo social-democrata.
Depois de o artigo de ontem, já se ganha noção que numa coisa os dois homens contrastam, e não é pouco: enquanto Passos é um europeísta assumidamente amigo de Berlim, Rio parece ter pouco carinho pela União Europeia de hoje. Segundo o antigo presidente da Câmara Municipal do Porto, a UE “impôs, de forma inaceitável, uma dispendiosa entrega do Banif a um interessado em concreto” e fê-lo com “humilhante recurso à intervenção permanente de burocratas sem rosto público”, condicionando “qualquer escolha alternativa” e “inviabilizando uma transparente consulta ao mercado”.
Não se trata de uma acusação de ânimo leve.
Para Rio, é necessário questionar o “respeito que esta Europa burocratizada tem pelo povo português, uma vez que, no limite, são sempre os contribuintes nacionais que acabam a pagar a fatura das irrazoáveis exigências” porque, diz Rio, caso fosse o Deutsche Bank, “a atitude da burocracia comunitária não seria exatamente a mesma”.