Foram 37 anos de muitas histórias, de muitos personagens e de muitas lutas. Alberto João Jardim revela agora alguns dos momentos por que passou à frente do Governo Regional da Madeira. Dos que o apoiaram, como Marcelo Rebelo de Sousa, Durão Barroso e Cavaco Silva, mas também dos que complicaram a vida à região, como Passos Coelho e José Sócrates – este último, aliás, é acusado de ter imposto censura na comunicação social.
Ao longo de mais de 800 páginas de um livro a que deu o nome de “Relatório de Combate”, Jardim usa o estilo que lhe é característico e não poupa em frases polémicas: logo nos agradecimentos diz que houve editoras que se acobardaram e que por pressões não quiseram publicar a sua obra. Elogia Pinto da Costa, Cristiano Ronaldo e António Guterres. Critica a Entidade Reguladora da Comunicação, a Justiça portuguesa e o processo de Bolonha. Garante ainda nunca ter pertencido ao movimento FLAMA, que defendida a independência da Madeira.
O fundador do PSD/Madeira confessa que desde 1987 decidiu encabeçar a lista dos candidatos social-democratas pela Madeira à Assembleia da República – ainda que sempre tenha deixado claro que não iria ocupar tal lugar -por solidariedade ao PSD nacional. Segundo Jardim, apesar de gostar de debater no parlamento, as suas convicções presidencialistas levaram-no a ter um humor que sempre caiu mal na classe política de Lisboa e conta que usava sempre uma piada a propósito de nunca ocupar o lugar na AR: “Costumava dizer que o Dr. Salazar ainda tinha ido lá umas três vezes. Mas eu sempre reeleito, nunca lá pus os pés’”.
Cavaco nem precisou de pedir apoio
Alberto João Jardim começa por justificar a maioria absoluta de Cavaco Silva em 1987 como um reconhecimento do povo, que apreciara o seu primeiro governo, considerando que os portugueses também quiseram condenar o “comportamento desestabilizado do partido eanista”.
Apesar das boas relações com o primeiro-ministro Cavaco Silva, Jardim não esquece as dificuldades por que teve de passar com os benefícios dos Açores em detrimento da Madeira. “Depois da presidência de Mota Amaral e sobretudo com o primeiro presidente do Governo socialista, o arquipélago açoriano se tornou a ‘província dócil’, enquanto que, comigo, a Madeira lutou sempre contra o colonialismo e contra o próprio regime político-constitucional”.
Jardim recorda ainda que em outubro de 1987 veio a Lisboa discutir com o governo da República a revisão constitucional, onde também estava presente Mota Amaral. A falta de consenso levou o primeiro-ministro de então a pedir que os dois presidentes das regiões autónomas trabalhassem um com o outro para “aproximar visões”.
“Uma das coisas que os ‘pequenos’ que queriam mostrar serviço a Cavaco envenenavam contra mim era a ‘estória’ de eu me divertir à grande nas noites de Lisboa. Inventavam que, sendo Mota Amaral do Opus Dei, eu seria do… ‘copus night’”. E tanto assim foi, conta, que Cavaco até lhe pediu que moderasse o comportamento naquela noite: “Jardim, por favor esta noite fique a trabalhar com o Mota Amaral, em vez de ir divertir-se”.
Mas a relação com Aníbal Cavaco Silva foi tão boa que lhe valeu um capítulo inteiro: “Reconhecimento e Solidariedade com Cavaco Silva”. Um dos episódios que recorda é a última visita oficial de Cavaco à Madeira enquanto primeiro-ministro, diz até ter ficado comovido com as palavras que lhe foram dirigidas. “A justiça às vezes tem de ser expressa com o coração”, disse-lhe Cavaco, ressaltando a “coragem, ousadia e, por vezes, impertinência” do antigo presidente do Governo Regional da Madeira.
Mais tarde, em 2005, Cavaco havia de lhe ligar para pedir apoio à candidatura a Presidente da República, mas Jardim nem o deixou terminar de falar: “Senhor professor, já sei para que é, não precisa de me dizer seja o que for, conta com o PSD/Madeira e comigo pessoalmente”.
Nessa altura, segundo o livro “Relatório de Combate” já as coisas estavam mal entre o Governo Regional e o executivo de José Sócrates.
Sócrates, a censura e as suas “garotices”
Como se costuma dizer: o que nasce torto tarde ou nunca se endireita. E foi o que aconteceu com a relação entre o governo de Sócrates e Alberto João Jardim. No início quando o então primeiro-ministro chamou “a si o dossier Regiões Autónomas” ainda terá “enganado” Jardim, fazendo-o pensar “que tal seria positivo”. “Depois foi o que se viu”, conclui o antigo presidente do PSD/Madeira.
Mas não se pense que esta é a frase mais dura para o antigo primeiro-ministro socialista: “Sócrates julgava ser fácil criar-nos um garrote financeiro, mesmo através de inconstitucionalidades e de ilegalidades, nesta República onde tal é possível e que, por isso, não oferece confiança”.
“Como Sócrates se intitulava politicamente ‘um animal feroz’, eu respondia-lhe em público: ‘não tenho medo de si!’ e denunciava a ‘falsa democracia’ que se vivia no país, provada pela censura existente na comunicação social e pela fraudes governativas à própria Lei das Finanças Regionais (…) Também havia fraudes à Lei das Finanças Locais, para asfixiar as autarquias, sendo no entanto o Governo central responsável por 95% do défice público”, ataca o madeirense.
Jardim refere ainda que o governo de Sócrates se intrometia e passava a sabotar as negociações em Bruxelas sobre o Centro Internacional de Negócios da Madeira. Foi por tudo isso que considera que 2006 marcou “o arranque do maior conflito República-Região, após o comuno-gonçalvismo de 1974/1975”.
Mas Passos Coelho não sai bem da fotografia. Isto porque “a guerra de Lisboa ao Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM)”, diz, não foi um exclusivo do socialista, uma vez que foi continuada pelo governo de Passos/Portas e fez a “praça madeirense perder 700 empresas”.
Os elogios da política ao futebol
No livro, são lançados diversos elogios a Santana Lopes, a António Guterres, Jardim Gonçalves e a Marcelo Rebelo de Sousa.
Sobre o atual secretário Geral da Organização das Nações Unidas, Jardim diz ter tido as melhores relações desde que este passou a ser primeiro-ministro, ainda que tenham existido várias divergências antes. “Guterres, designadamente, abandonou o cargo de primeiro-ministro, chocado com a degradação a que o sistema político português havia chegado”, destaca o antigo líder do PSD/Madeira, que conclui com um rasgado elogio: “Como Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, ganhou prestígio, pela sua eficiência em momento internacional complicado, tendo merecido plenamente o cargo de Secretário-Geral da ONU. Opção consensual que demonstrou a Alemanha e a própria Comissão Europeia não contarem assim tanto no mundo”.
Sobre Marcelo Rebelo de Sousa afirma que “é uma pessoa muito exigente, além de ter uma comprovadíssima inteligência”: “Tínhamos de estar 24 horas de serviço. Eu devia atenções a Marcelo, que de resto tem a primazia intelectual, cultural e humana que se lhe reconhece. Mas, ser vice-presidente, residindo na Madeira, e ainda por cima com ausências devido a compromissos internacionais, obrigou-me a fazer-lhe ver que o meu trabalho não poderia ser aquilo de que ele necessitava”.
No livro os louvores estendem-se a Santana Lopes, que enquanto secretário de Estado da Cultura voltou a trazer a cultura “ao encontro do povo, motivando-o para esse campo e eliminando despesas com as pseudoculturas que chegavam a quase ninguém, mas que eram pretexto para alguns exibicionistas meterem a mão no erário público”.
Jardim não esquece também Jardim Gonçalves, por este nunca ter esquecido a sua terra natal apesar dos altos cargos que desempenhou. Adianta ainda que “quando da golpada boçal que foi levantada contra o engenheiro Jardim Gonçalves”, viu “energúmenos a quem ele deitou a mão apunhalarem-no pelas costas”.
Cristiano Ronaldo e Jorge Nuno Pinto da Costa também são visados nos elogios. O primeiro por ser o “melhor jogador de futebol do mundo” e merecedor de um monumento que é um hino à força de vontade do povo madeirense. O segundo porque diz ter pela sua obra no F.C. Porto “um grande apreço e amizade”. Jardim diz considerar que Pinto da Costa foi muitas vezes mal tratado pela inveja, que o país tinha ganho em tê-lo na política e revela o que o “autonomista Alberto João Jardim” costuma dizer ao “regionalista Pinto da Costa”: “Veja se ganha mais um campeonato só para ele não ir para Lisboa. Isto apesar da consideração por dirigentes de outros clubes”, frisa.
As críticas mais e menos duras
Mas como nem só de coisas boas é feito este livro, Jardim critica ferozmente a Justiça, que diz funcionar com base em denúncias anónimas e a criação da Alta Autoridade para a Comunicação Social (atual ERC), por se tratar de uma monstruosidade.
Sobre o antigo Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, Jardim diz que se trata de uma pessoa “simpatiquíssima, mas que nunca conseguiu livrar-se de ser identificado com a impropriamente denominada ‘esquerda’”.
Na introdução dá ainda conta de que o Governo Regional da Madeira recusou a doação dos direitos de autor deste livro para a região, agradecendo ao Instituto Social Democracia da Madeira tê-los aceitado.