Redução do IRS: 200 milhões não chegam

Paulo Sá, do PCP, diz ao SOL que o valor previsto no Programa de Estabilidade para a redução do IRS em 2018 é «manifestamente insuficiente». Bloquistas e comunistas criticam o documento e começam a preparar o caderno de encargos para o OE2018 sem o ter em conta.

O Programa de Estabilidade antecipa uma negociação difícil para o Orçamento do Estado para 2018. Os 200 milhões de euros previstos no documento para acomodar uma descida do IRS estão muito longe de chegar para satisfazer as pretensões de BE e PCP nesta matéria.

«É manifestamente insuficiente», declara ao SOL o deputado comunista Paulo Sá, lembrando que o objetivo do PCP é «reverter o enorme aumento de impostos» feito pelo Governo PSD/CDS em 2013.

Nesse ano, através da redução de oito para cinco escalões, da subida das taxas em todos os escalões e da diminuição das deduções com despesas, a receita do IRS aumentou 35%.

Um aumento de 3,226 milhões de euros na receita que a atual maioria começou a reverter através da eliminação gradual da sobretaxa.

O fim da sobretaxa – que acaba por completo em 2018 e que este ano já não é paga por 90% dos contribuintes – representa um alívio fiscal de 750 milhões para os contribuintes. Agora, avisa o PCP, é preciso fazer o resto. E o resto é «passar de cinco para 10 escalões e diminuir as taxas nos escalões mais baixos e intermédios do IRS».

PCP quer redução de dois mil milhões de euros no IRS

Nas contas dos comunistas, estas alterações «traduzem-se numa perda de receita fiscal grande», que rondará – dependendo das opções tomadas – os dois mil milhões. E que o PCP tem propostas para compensar, através do aumento da tributação das grandes empresas e das maiores fortunas (ver pág.9).

Ou seja, o que Centeno propõe é, no fundo, um alívio fiscal em 2018 dez vezes inferior para os rendimentos do trabalho do que pretende o PCP. «Esses 200 milhões são uma fração pequeníssima do brutal aumento de impostos», nota Paulo Sá.

Do lado do BE, evita-se entrar em pormenores sobre o valor adiantado por Mário Centeno para responder à exigência da esquerda de uma maior progressividade no IRS. «Isso é matéria de negociações para o Orçamento do Estado», justifica o dirigente bloquista Jorge Costa.

Défice de 1% é ‘espartilho’

Mas há uma coisa em que PCP e BE estão de acordo: o défice de 1% – a caminhar para o superávite em 2021 – não é uma boa notícia.

Paulo Sá diz que assumir essas metas orçamentais constitui «um espartilho» incompatível com o «aprofundamento da política de reposição de rendimentos e direitos» defendida pela esquerda.

«Quando se apresentam défices próximo de zero está-se a contrariar a política que devia estar a ser seguida», argumentava esta semana Jorge Costa no seu espaço de opinião na TSF, para defender a importância de aumentar o investimento público.

Bloquistas e comunistas acreditam que Portugal só está a alcançar bons indicadores económicos no crescimento e no emprego precisamente por ter contrariado a receita de austeridade de Bruxelas.

«Foi precisamente por causa do aumento do salário mínimo, da recuperação de rendimentos, do combate à precariedade, de todas essas medidas que hoje Portugal está numa melhor situação económica», notava Mariana Mortágua na reação ao Programa de Estabilidade, frisando a importância de aprender essa lição.

«Parece que o Governo também quer ser bem comportado em relação a Bruxelas», lamentava o histórico bloquista Fernando Rosas esta semana na TVI24. «Esta vontade de querer agradar a Bruxelas é muito negativa para o país», concordava Luís Fazenda, na RTP3, alertando para o impacto negativo que a descida do défice até ao superávite pode ter no crescimento e no emprego.

PE não condiciona OE, avisam BE e PCP

Seja como for, BE e PCP preparam-se para o início da preparação do próximo Orçamento do Estado, desvalorizando o Programa de Estabilidade. «É um documento do Governo que só responsabiliza o Governo», comenta Paulo Sá, garantindo que os dados macroeconómicos do Programa não vão servir de referência ao PCP nas negociações do Orçamento.

«A prioridade do BE é relativamente ao Orçamento do Estado», vinca Mariana Mortágua, que se limita a constatar que «este novo Programa de Estabilidade cumpre genericamente aquilo que estava previsto no acordo entre o PS e o BE».

‘PE é a prova de que a dívida é sustentável’

Eurico Brilhante Dias do PS faz uma análise nos antípodas da dos parceiros de esquerda do Governo. Para o deputado socialista, os 200 milhões de euros previstos no documento para acomodar uma descida do IRS para quem menos ganha são uma boa forma de começar a aumentar a progressividade do imposto.

Brilhante Dias está convencido de que esse alívio fiscal pode ser alcançado através de um novo escalão de IRS para os rendimentos mais baixos. Sempre de forma faseada, como já deixou claro Mário Centeno. «A legislatura felizmente não termina em 2018. O compromisso do Governo mantém-se e ele aplica-se na legislatura, não posso antecipar agora detalhes sobre esta matéria», afirmou o ministro das Finanças durante a apresentação do documento.

Eurico Brilhante Dias prefere, contudo, destacar outro número no documento. «O valor mais impressivo deste Programa de Estabilidade é o da evolução da dívida», analisa o socialista, notando que o que está previsto é uma redução da dívida pública até aos 109% em 2021.

«É a prova de que a dívida é sustentável», afirma Brilhante Dias, explicando que esse dado, a par da redução do défice, pode perspetivar uma melhoria do rating da República. «Pode abrir caminho a uma alteração do outlook até ao final do ano», acredita o deputado.

Paulo Sá não partilha, porém, desse otimismo. «Pelo menos desde 2003 que todos os Governos e organizações nacionais e internacionais prevêem uma descida da dívida», recorda o comunista, que fala em 14 anos de previsões falhadas para sustentar a pouca credibilidade que lhe merece esta análise do Programa de Estabilidade.

«O próprio relatório do Orçamento do Estado para 2016 tinha uma previsão de descida da dívida para o ano seguinte. Mas essa referência caiu no relatório do Orçamento para 2017», lembra Paulo Sá, que continua a acreditar que a dívida não é sustentável e terá de ser renegociada.