“Esta é a ditadura mais linda do mundo”, dizia um apoiante do atual presidente da Venezuela, citado pela CNN, orgulhosamente vestido de vermelho, em frente de um mar composto por milhares de pessoas que se juntaram em Caracas para aplaudir Nicolás Maduro. Uma frase aparentemente pejorativa para o governo chavista, mas cuja intenção era exatamente a contrária.
A palavra “ditadura” é precisamente aquela que mais consta nos cartazes trazidos pelos mais de 100 mil manifestantes que a oposição ao regime conseguiu trazer em dois dias consecutivos para as ruas, ou que mais repetidamente saiu da boca dos mesmos. Convocados pela Mesa da Unidade Democrática (MUD) – a coligação política contestatária da presidência de Maduro, que detém a maioria da Assembleia Nacional – para o passado dia 19 de abril – a mesma data em que os venezuelanos começaram a lutar contra o domínio espanhol no país, há 207 anos -, os protestos ocorridos em várias cidades da Venezuela e novamente repetidos ontem redundaram num triste balanço de três mortos. E para os próximos dias teme-se o pior.
Tendo na cabeça os 43 mortos que resultaram das trágicas manifestações de fevereiro de 2014, que levaram à detenção de várias figuras da MUD sob acusação de “instigação à violência”, chavistas e opositores não deixam de acreditar que é nas ruas que se decidirá o futuro do país, independentemente do quão assustador isso possa soar. “Se o povo saiu à rua, é na rua que deve ficar, defendendo a paz no seu bairro, na sua paróquia, no seu município e na sua comunidade”, proclamou o presidente Maduro num discurso na capital da Venezuela, citado pela Agencia Venezolana de Noticias, no primeiro dia dos protestos. Dias antes, tinha proferido apelos semelhantes ao exército e à Milícia Nacional Bolivariana (MNB), composta por civis, a quem prometeu oferecer “uma arma para cada miliciano”.
Os argumentos de hoje das partes não diferem muito de combates anteriores. Do lado da oposição, liderada nas ruas por Henrique Capriles – governador do estado de Miranda e ex-candidato presidencial – e, a partir da prisão, por Leopoldo López – um dos opositores responsabilizados pela tragédia de 2014 -, pede-se o fim da “ditadura mais linda do mundo” por meio da calendarização de eleições antes de 2018. A oposição a Maduro até tem sido feita no parlamento da Venezuela, onde a MUD tem maioria desde 2015, mas a decisão do Tribunal Supremo de Justiça, no final do mês passado, de retirar competências à câmara legislativa levou o combate político para as ruas. Somando os números dos protestos das últimas três semanas, contam-se oito mortos, mais de 100 feridos e perto de seis centenas de detidos.
Já do lado da presidência chavista pede-se o “repúdio aos traidores” que, segundo o líder venezuelano, “triangulam conspirações” a partir de Miami (Estados Unidos), Bogotá (Colômbia) e Santo Domingo (República Dominicana) para tomar o poder pela força, e não pela democracia. A isto se junta um conjunto de teorias, umas mais, outras menos conspirativas, contrárias ao modelo socialista de Hugo Chávez e à chamada “revolução bolivariana”.
Independentemente da pertinência dos argumentos esgrimidos, a verdade é que a Venezuela está afogada numa das piores crises económicas e políticas da sua história e nem a intervenção do Vaticano, no final do ano passado, conseguiu ajudar a ultrapassar a situação social dramática que se vive nas ruas daquele país sul-americano, onde a fome e a miséria nos chegam através de fotografias, vídeos e testemunhos de emigrantes desconsolados, muitos deles de nacionalidade portuguesa.
Refém da exportação de petróleo e, consequentemente, da variação do preço do barril nos mercados internacionais, Caracas está isolada. O Mercosur virou-lhe as costas, a Organização de Estados Americanos abandonou-a e os amigos de Maduro contam-se pelos dedos das mãos. E como é no petróleo que tudo se joga, a defesa escolhida por um desses amigos, Evo Morales, através de uma mensagem partilhada no Twitter, é a que vê as manifestações dos últimos dois dias como “uma conspiração interna ou uma intervenção externa” para se “apoderar do petróleo venezuelano”.
Com eleições marcadas para o final de 2018, mas a viver política e socialmente dia-a-dia, a Venezuela atravessa um enorme período de incerteza e corre sérios riscos de reviver os fantasmas de 2014. Os próximos dias tratarão de definir o rumo a trilhar.