A revolução contada pelos jornais

Os jornais no dia 25 de Abril gabavam-se de não terem ido à censura e relatavam com detalhe os acontecimentos no Largo do Carmo.

“A multidão não cede, não arreda pé. O capitão Maia compreende que é impossível evacuar o Largo do Carmo e ruas vizinhas. Há lágrimas em muitos olhos. Conhecidos e desconhecidos abraçam-se. Ouve-se constantemente exclamar: ´é a hora mais feliz da minha vida´. Ouvem-se gritos: Marcelo assassino, Marcelo fascista”.

O relato do ambiente que se viveu no Largo do Carmo é feito pelo “Diário de Lisboa”. O jornal conta com detalhe todos os acontecimentos e garante que “ninguém arreda pé, ninguém quer perder o momento em que o prof. Marcelo Caetano abandonará o Quartel do Carmo”.

Todos os jornais dedicam toda a primeira página às movimentações militares. O “República” orgulha-se, numa nota de rodapé: “este jornal não foi visado por qualquer comissão de censura”. Arons de Carvalho, que era colaborador do jornal dirigido pelo socialista Raul Rego, passou o dia 25 de Abril na redação e conta que se vivia um ambiente de “grande euforia”. Na primeira página, o República, na sua terceira edição, trazia as fotografias dos generais Costa Gomes e António Spínola e traçava o caminho da revolução: “o ato de força só será útil na medida em que contribua para dar a todos os portugueses participação efetiva no Governo da Nação. Não pode de forma nenhuma substituir um autoritarismo a outro: muito menos pode representar a continuação de um sistema autocrático iniciado com o golpe militar do 28 de Maio de 1926”.

O “Diário de Notícias” era mais cauteloso e limitava-se, na primeira página, a relatar os factos. Com uma fotografia das tropas na Praça do Comércio, o jornal contava que “às primeiras horas da madrugada eclodiu um movimento militar” com o objetivo de substituir o regime. O “DN” dava conta de um ambiente de normalidade na cidade de Lisboa: “Entre as oito e as nove horas, autocarros e elétricos circulavam normalmente, embora transportando menos passageiros. Os comboios funcionavam também”.

O “Diário de Notícias” apontava como “o acontecimento que mais caracterizou a manhã a autêntica corrida que largos setores da população fizeram a mercearias, padarias, supermercados etc, procurando abastecer-se a todo o custo de géneros alimentícios e de outros artigos de primeira necessidade”.

 

Soares regressa

O “Primeiro de Janeiro” já olhava para o futuro e trazia na primeira página uma declaração de Mário Soares. O fundador do PS, que estava no exílio em Paris e regressaria três dias depois, dizia que regressaria a Lisboa “se a democracia for restabelecida e se acabar com a guerra do Ultramar”. O “Primeiro de Janeiro”, que exibia na capa várias fotografias com militares e populares, tinha como manchete que “o movimento das Forças Armadas derrubou o governo de Marcelo Caetano”.

O “Jornal de Notícias” relatava o ambiente que se vivia no norte do país. “Tranquilidade nas ruas do Porto”. Foi, porém, no dia 26 de abril que o JN fez uma edição especial sobre o 25 de Abril em que destacava o “exemplar civismo” do povo.

O 25 de Abril mudou radicalmente a linguagem dos jornais. Arons de Carvalho, ex-secretário de Estado da Comunicação social, considera que deixaram de usar uma “linguagem subliminar para tentar tornear a censura” e “passaram a utilizar uma linguagem mais frontal e mais direta”.