O Governo não se compromete com a ideia, mas já há um plano para renegociar com a Europa a dívida pública. O relatório do grupo de trabalho que juntou bloquistas e socialistas propõe uma renegociação da dívida ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) e ao Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), pedindo mais 45 anos para pagar e uma redução dos juros para 1%.
A solução só seria viável se fosse aceite nas instituições europeias e, nomeadamente, por um dos maiores credores, a Alemanha. Pedro Filipe Soares, do BE, assume que o seu partido «é mais cético do que o PS» em relação a esta ideia, mas defende que era «urgente» o Governo estar equipado de «contas certas» e de uma proposta técnica para a possibilidade de a questão se vir a colocar no seio da Europa, como António Costa sempre disse desejar.
Ontem ficou a saber-se que o FEEF recusa a ideia de baixar os juros porque isso implicaria um reforço das transferências orçamentais feitas pelos países que o suportam, pelo que essa solução pode estar fora de causa. Mas no PS, Paulo Trigo Pereira – outro dos autores do documento – está convicto de que a questão acabará por se pôr e será «fundamentalmente política» por se entenderem as consequências sociais e económicas de um arrastar das crises das dívidas soberanas na Europa.
Por agora, o Governo vai apenas «tomar boa nota» da sugestão, mas não vai levar a proposta a Bruxelas. «A estratégia do Governo em relação à dívida mantém-se», assegurou ontem o secretário de Estado João Leão, na apresentação do documento.
Mais viáveis aos olhos do Executivo serão algumas das sugestões de gestão da dívida que só dependem de Portugal.
As ideias do relatório com que o Governo concorda
João Leitão deixou claro que está de acordo com a ideia de reduzir as provisões do Banco de Portugal e com a antecipação do pagamento do empréstimo ao FMI por ser aquele que tem os juros mais altos.
Leão não se pronunciou, porém, sobre as sugestões feitas à gestão da dívida a cargo do IGCP. O relatório sugere que o IGCP opte por reduzir a maturidade dos títulos de dívida emitidos, para beneficiar de juros mais baixos.
«Se se reduzisse a maturidade média residual da dívida direta do Estado (excluindo dívida às entidades oficiais) de 6,6 para 4,9 anos, estima-se que seria possível reduzir a taxa de juro implícita da dívida direta do Estado de 3,2% (do stock de dívida no final de 2016) para entre 2,7% a 2,8% (às taxas de juro de dezembro de 2016)», lê-se no documento que explica que com esse valor «seria mais fácil ao país atingir taxas de crescimento nominal da economia mais elevadas do que a taxa de crescimento da dívida, fator importante para assegurar a sustentabilidade da dívida pública, bem como da dívida externa».
Além disso, o grupo de trabalho gostaria de ver o IGCP a funcionar quase como um banco para instituições públicas que não estão sujeitas à Unidade de Tesouraria do Estado.
A ideia seria oferecer-lhes taxas de juro mais elevadas do que as da banca, «mas inferiores ao custo médio de financiamento da República, para as aplicações financeiras (depósitos à ordem e a prazo)». Uma medida que serviria como um incentivo para que as Administrações Públicas depositassem «as suas disponibilidades líquidas junto do IGCP, que atuaria como agente orçamental dessas instituições».
Sobre essas ideias, João Leão não se pronunciou. O governante preferiu saudar o facto de o grupo de trabalho se ter concentrado em hipóteses para serem debatidas «no quadro europeu» sem posições unilaterais e «não envolvendo a dívida detida pelo setor privado».
Apesar disso, João Leão frisou que este «não é obviamente um documento oficial do Governo», justificando assim o facto de o relatório não ter a sua assinatura apesar de ter estado presente nas reuniões de trabalho «quase quinzenais» que o grupo manteve ao longo do último ano.
A conclusão que o Governo não pode subscrever
De resto, o texto nota que os saldos primários – a diferença entre receitas e despesas, excluindo juros – que estão previstos no Programa de Estabilidade são insustentáveis, pelo esforço de consolidação orçamental que exigem. Ao cumpri-los, o Estado fica sem margem para investir, a não ser que aumente de forma significativa os impostos com as consequências que isso tem para a economia. E essa é uma das conclusões que nunca poderia contar com a assinatura do secretário de Estado.
O relatório assinado por nomes como Francisco Louçã, Ricardo Paes Mamede, Ricardo Cabral e Paulo Trigo Pereira deixa cair a ideia de uma negociação dos montantes da dívida ou mesmo de alguma renegociação com credores privados que fazem parte das propostas de BE e PCP para o problema da dívida.
Marcelo diz que documento é interessante
Esse dado contribuiu para que o Presidente da República classificasse o documento como «interessante», admitindo que tem soluções – as que dependem apenas do Governo português – que podem mesmo vir a ser postas em prática.
«É um bom instrumento de reflexão, numa parte com possível reflexão imediata, noutras partes para se ir refletindo ao longo do tempo», observou Marcelo Rebelo de Sousa, apontando como «mais fáceis de executar» as sugestões que «dizem respeito à gestão da dívida este ano e nos próximos anos, à emissão de dívida, quando se deve emitir, os juros, a redução de juros, a redução dos prazos e o pagamento da dívida ao FMl, que tem os juros mais elevados».