Manuel Monteiro: “Fui várias vezes sondado para ser candidato pelo PSD”

Manuel Monteiro revela que foi sondado para entrar nas listas do PSD quando Passos Coelho chegou ao governo e admite votar em Cristas.

Voltou a ter uma intervenção política regular nos últimos tempos. Isso aconteceu por acaso ou existe da sua parte uma maior vontade em ter intervenção política?

Existe. Mentiria se dissesse o contrário. Participo porque gosto e tenho interesse. Acho que faz falta um regresso ao debate político. Com todo o respeito pelo ‘economês’ e pela discussão estritamente técnica, eu penso que as democracias se enfraquecem quando o debate político e ideológico desaparece e acho que devo dar um contributo para que regresse o debate político. Para que nós saibamos que o debate político não é apenas uma questão e contabilidade. Eu costumo dizer que a economia pode tranquilizar o estômago, mas isso não significa que nos sossegue a alma. Tem de haver paixão, tem de haver outra perspetiva. E tenho aproveitado estas oportunidades para ficar em paz com o CDS. Mas tenho esclarecido, nem sempre com êxito, que eu não quero regressar ao CDS.

É uma porta fechada?

Nós não podemos dizer na vida nunca mais. Não posso dizer que daqui até ao fim da minha vida jamais terei intervenção partidária, mas não tenho qualquer previsão nesse sentido. Não tenha essa ambição. Eu sempre me movi pela minha própria vontade e, de facto, não tenho essa ambição e não tenho essa vontade. 

Mas quando participa em iniciativas com militantes do CDS é inevitável que se crie essa confusão na cabeça e algumas pessoas. Provavelmente muitas pessoas ainda pensam que está no CDS.

Tem toda a razão. Diziam que o Manuel Monteiro fez um partido para destruir o CDS. Eu nunca quis destruir o CDS. Isso é um erro. Eu nunca na vida poderia ter ido para outro partido que já existisse. Seria, numa perspetiva individualista, mais cómodo, mais barato, mas eu não fiz isso.

Teve algum convite nesse sentido?

Fui sondado variadíssimas vezes para ser candidato independente pelo PSD.

Para ser candidato a deputado nas listas do PSD?

Também fui sondado nas eleições em que o Dr. Pedro Passos Coelho concorreu pela primeira vez.

Em 2011.

Sim, mas isso eu não faria. Não criei, na altura, a Nova Democracia para ser contra o CDS. Criei a Nova Democracia para ser a favor de ideias que o CDS tinha deixado de defender, nomeadamente sobre a União Europeia. O CDS, em determinado momento da sua vida e com toda a legitimidade, entendeu mudar a agulha e regressar àquilo que era a sua matriz fundadora em matéria europeia e eu entendi que não tinha condições dentro do CDS para afirmar os meus pontos de vista e fui à minha vida. Mas tenho sentido com muito agrado o facto de os militantes e os simpatizantes gostarem que eu apareça.

Mas dizia-me que muita gente ainda pensa que está no CDS…

É verdade. Eu, quando fundei a Nova Democracia, andava na rua a fazer campanha e as pessoas diziam-me: “Conte comigo, porque eu sou do CDS”. Eu percebi, a determinada altura, que andava a fazer campanha, indiretamente e contra a minha vontade, pelo dr. Paulo Portas. O que não deixava de ser caricato e absurdo. Ainda hoje muitas pessoas não se aperceberam que eu saí do CDS. Mas eu tenho procurado explicar que não estou de regresso à vida partidária. Por um lado para não criar expectativas erradas e, por outro lado, para sossegar espíritos mais inquietos que possam pensar que eu estou em marcha, utilizando a expressão do Macron, para qualquer revivência do meu passado.

Continua a votar no CDS? Nas eleições autárquicas, por exemplo, já decidiu o seu sentido de voto?

Estou indeciso entre não votar ou votar em Assunção Cristas.

Revê-se mais no CDS desde que Paulo Portas saiu?

Tenho acompanhado com expectativa. É uma líder nova que necessita de tempo para afirmar o seu espaço dentro e fora. Não é fácil suceder a uma liderança forte, goste-se ou não. Veja-se o que aconteceu no PSD a seguir a Cavaco Silva. Esta líder necessita de tempo. Há coisas com as quais não me revejo. Não me revejo na ideia de que o que conta é o pragmatismo e que as ideologias não contam. Combati isso. A primeira pessoa a introduzir essa mensagem em Portugal foi Cavaco Silva. Quando chegou à liderança do PSD introduziu uma coisa chamada tecnocracia. Ele veio com a mensagem de que era preciso acabar com o combate ideológico e o que interessava era fazer obra. Discordei disso nessa altura e continuo a discordar. A política desaparece quando a democracia se transforma numa lógica de gestores. E quando a política desaparece a democracia fica enfraquecida.

Essa é uma das razões que levam a que a direita esteja a passar um momento menos bom?

Penso que sim. Esta ideia redutora de que lutar por ideias políticas implica obrigatoriamente não ter sensibilidade e capacidade de executar é uma ideia falsa. A perspetiva de que os políticos são gestores levou a União Europeia a um impasse total. Nós não temos grandes lideranças na União Europeia, porque a partir de determinada altura se procuravam dirigentes políticos que são tudo e o seu contrário. De manhã são uma coisa e à tarde são outra. Eu identifico a atual situação em muitas democracias europeias pelos fenómenos cavaquistas que ocorreram um pouco em toda a Europa. À direita e à esquerda. Tivemos os “tony blairs” que se diziam de esquerda, mas que faziam políticas que não se percebia se eram de direita ou de esquerda. Tivemos lideranças à direita, tipo Sarkozy, que não se percebia o que é que pretendiam. 

Em Portugal tivemos o discurso de que não há alternativa.

Isso é fatal e é profundamente negativo, porque no dia em que se considerar que não há alternativa é a morte da democracia. As juventudes partidárias, por exemplo, eram escolas de combate político. Não eram escolas se emprego. Eu fui o primeiro líder de uma juventude partidária a chegar à liderança de um partido, mas a partir de determinada altura transformaram-se em escolas de emprego. Se um jovem cresce numa juventude partidária na lógica do emprego e não na lógica do debate político quando chega a um cargo cimeiro no seu partido ou no seu país não vai mudar nada. Ele não cresceu a debater política, ele cresceu a negociar lugares. Cresceu a negociar votos nos congressos, cresceu a negociar votos nas distritais. Não podemos esperar de uma pessoa que cresce a negociar lugares e votos que queira discutir política.

António Costa conseguiu provar que afinal havia alternativa e que valia a pena debater outras soluções?

A verdade é que a gerigonça, como Vasco Pulido Valente a batizou, é uma aliança entre dois partidos de esquerda e um partido de esquerda do centro. O PS é um partido do centro e só por ser um partido do centro é que consegue, independentemente da habilidade de António Costa que é inquestionável, conciliar uma relação extraordinária com o Bloco e o PC e com o Marcelo Rebelo de Sousa. Esse dado é relevantíssimo. O PS não tem apenas uma coligação com o BE e o PCP. Tem também um entendimento coligacional com Marcelo Rebelo de Sousa. Isso só é possível porque temos um Partido Socialista ao centro. Temos uma situação inédita, que é um Presidente da República que defende um Governo, por vezes melhor do que o Governo se defende a si próprio, que ao mesmo tempo tem entendimentos com o Bloco de Esquerda e o PCP.

O PS com António Costa não virou à esquerda?

Na lógica comunicacional o PS é um partido de esquerda, mas na realidade dos factos obviamente que não é. Se pelo meio há aqui alguém enganado não sei. O PS é um partido que se recentrou e fê-lo de uma forma hábil, porque consegue, na lógica da comunicação, continuar a dizer que é da esquerda, mas na realidade é hoje um partido do centro. Acho que temos aqui um equívoco que eu creio que muitas pessoas no PSD e no CDS ainda não perceberam ou se perceberam tardam em ter um discurso que corresponda a esta nova realidade política.

Qual é a opinião que tem sobre a forma como a direita governou o país e como é que olha hoje para a direita na oposição, nomeadamente para o PSD que continua com a mesma liderança?

O Governo e Passos Coelho e Paulo Portas, não apenas de Passos Coelho, independentemente das contingências a que estava sujeito, não teve uma preocupação com as pessoas É um lugar-comum dizê-lo mas é o que eu penso. Uma das coisas que me desgostou na governação Passos Coelho/Portas foi sentir que a lógica do compadrio e do arranjo na política de colocação de pessoas do partido e dos amigos, não obstante a política de austeridade, não diminuiu. Foi igual. Para mim não é irrelevante perceber que havia um grupo restrito que, não obstante os problemas que estavam a acontecer no país, continuou a funcionar como se nada fosse.

A direita continua a ter dificuldades em adaptar-se à nova realidade política?

Penso que há aqui um erro de cálculo por parte do PSD e do CDS em relação ao posicionamento do Partido Socialista. O PS é um partido que ocupa o centro e isso é vantajoso para o Partido Socialista e é prejudicial para a constituição de alternativas. Nós temos de estar muito atentos à possibilidade de choques térmicos profundos dentro do PSD. Aquilo que está a acontecer em muitos países europeus com os partidos socialistas – veja-se o PASOK, veja-se o PS francês ou o partido socialista espanhol – pode acontecer em Portugal com o PSD. Estamos a assistir a recomposições do sistema político e do sistema partidário à custa dos partidos socialistas. Creio que esse fenómeno pode ocorrer em Portugal com o PSD. Um mau resultado autárquico pode não ser apenas negativo para Passos Coelho, mas pode ser profundamente negativo para o PSD. É um partido sem consistência ideológica, um partido que faz o papel do lobo mau, que aparenta estar sempre zangado com tudo e com todos, e pode ser altamente corrosivo dentro do PSD um mau resultado eleitoral.

Não acredita que Passos Coelho consiga voltar ao poder com este discurso?

Isso só aconteceria se houvesse uma hecatombe financeira. Para o bem ou para o mal os portugueses estão descomprimidos. Não sei se estão a gastar aquilo que verdadeiramente possuem, não sei se tiveram uma herança de uma tia rica, mas a verdade é que estão mais descomprimidos e isso contribui para sossegar e alegrar. Não acontecendo uma hecatombe, eu creio que dificilmente Passos Coelho terá condições, nos próximos tempos, para voltar à liderança do Governo.

Ficou surpreendido com os vários casos que envolvem políticos e outras figuras da elite portuguesa em casos de corrupção?

Eu sempre tive muita dificuldade em compreender como é que algumas pessoas, dizendo ganhar o que ganhavam, num país como o nosso, faziam determinado tipo de vida. Começa a haver uma ideia de que antes do 25 de Abril os políticos eram sérios e depois do 25 de Abril são todos desonestos. Houve uma época, mesmo depois do 25 de Abril, em que quem entrava na vida política entrava para a causa pública. À direita e à esquerda. De um modo geral a lógica era a causa pública e tanto que assim era que havia ministros que se demitiam por não pagarem um imposto. Consideravam que não pagar um imposto era uma desonra.

Hoje não é assim?

Hoje temos uma realidade totalmente diferente e pretende-se resolver o problema legislando, mas a ética e a honra não se legislam. Ou se tem ou não se tem. Esse é um problema de cultura dos partidos. Pessoas como Sá Carneiro, Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio ou António Guterres não vinham para a política para encontrar um trampolim para depois irem ganhar dinheiro à custa dos conhecimentos que obtiveram na política. As pessoas não confundiam os negócios da política com a política dos negócios. A partir de determinada altura isso foi tudo invertido.

O que é que mudou?

Passamos a ter pessoas que estão na vida política para resolverem, não os problemas do país, mas os problemas dos seus clientes ou dos seus futuros clientes. Isso é devastador. Eu não aceito a ideia de que antes do 25 de Abril eram todos honestos e depois eram todos desonestos. Eu nunca fui desonesto. Nunca estive na vida partidária para aprovar leis ou orçamentos do Estado a pensar se ia beneficiar uma pessoa que amanhã me ia dar emprego. Há gente séria e essa gente séria tem de regressar à vida pública. Não pode remeter-se para um plano secundarizado pelos empregados do sistema, que dominam o sistema, e que depois vão trabalhar para pessoas que diretamente ou indiretamente ajudaram enquanto foram governantes. O senhor Blair, quando saiu de primeiro-ministro, não podia ir trabalhar para grupos económicos? Podia, mas não devia.

Em Portugal Paulo Portas foi trabalhar com a Mota-Engil…

Como tivemos Sócrates com as farmacêuticas. Quem está na vida política e assume determinadas funções não devia ter essa postura. Não é um problema de leis, é um problema de atitude. Se não pode andar de Mercedes que ande de Renault 5. Há pessoas que não concordam comigo e dizem que quem vai para a política também pode querer ser rico. Pode, mas é preciso dizer que há muitas pessoas que alcançam determinados postos de consultoria empresarial apenas porque passaram pela política. Se não tivessem passado pela política não teriam esses convites. Não são eles que estão a ser convidados, mas sim os conhecimentos que adquiriram na vida política.

Mas essas questões hoje, em Portugal, são mais colocadas pela esquerda do que propriamente pela direita.

Eram questões que eu colocava e fui considerado populista e demagogo. Sempre me bati pela transparência.

Quando deixou a política sentiu que muitas pessoas se afastaram? Como é que lidou com essa mudança?

Eu comecei a sentir o afastamento de muitas pessoas ainda quando estava na vida política. Houve muita gente que pensou que, por me apoiarem politicamente e financeiramente para fazer as campanhas, eu iria atuar em função dos seus interesses. E quando perceberam que isso não ia funcionar começaram a afastar-se. Eu percebi isso nitidamente assim que fomos eleitos, em 1995, quando propusemos uma comissão de inquérito à privatização do Banco Totta & Açores. Houve um conjunto de pessoas que se foram lentamente afastando quando perceberam que nós não éramos moldáveis ou suscetíveis de ser colocados no bolso. Aquilo que aconteceu depois de eu sair de presidente do CDS não foi totalmente surpreendente porque já tinha sentido isso. Houve um conjunto de pessoas que perceberam que o CDS-PP não estava disponível para negociar a aprovação de leis e dos orçamentos, porque António Guterres tinha maioria relativa, em troca de empregos ou de avenças para escritórios e afastaram-se discretamente.

A nível pessoal foi difícl sair da política?

Eu era quadro do BCP quando fui para presidente do CDS e já tinha experiência profissional autónoma da vida partidária. Fui convidado a regressar ao BCP, mas não quis. Não por ter tomado qualquer decisão que tivesse beneficiado o banco, mas entendi que não deveria voltar. Desliguei-me do BCP sem qualquer indemnização. Zero. Saí de Portugal e fui para a Sorbonne estudar. Fui daqui para Paris com uma carta de apresentação de Mário Soares. Jamais esquecerei essa atitude de Mário Soares que, quando eu lhe solicitei uma carta e apresentação, me fez uma coisa que muita gente da minha área política não fez. Disse-me isto: “escreva a carta e eu assino”. Ele depois fez a carta, mas nunca esquecerei este gesto. O dr. Mário Soares não me devia nada e teve um gesto que eu jamais esquecerei. Quando regressei tive um convite para leccionar e mantenho-me na Universidade Lusíada de Lisboa e do Porto. Com muita tranquilidade e agora com uma predisposição para ter intervenção pública que não seja partidária.