As Conferências do Estoril encerraram ontem com duas mensagens fortes: a Europa tem de se preparar melhor para lidar com os fluxos migratórios e Portugal continuará a receber todos aqueles que precisam de ajuda com os braços abertos.
Da parte da tarde, três ministros portugueses estiveram no Estoril a discutir o problema da crise dos refugiados e a forma como os países europeus estão a lidar com este desafio. O ministro Adjunto, Eduardo Cabrita, fez questão de enaltecer o papel de Portugal e descreveu-se como um ”governante privilegiado” por trabalhar num Estado que não exclui comunidades.
“Sou um governante privilegiado, venho de um país onde a questão das migrações e dos refugiados não é um tema de controvérsia política. Sobre esta matéria, nunca encontrei no parlamento uma voz xenófoba ou populista que dissesse que Portugal não deve receber refugiados e deve fechar a porta a migrantes. Debatem-se questões relacionadas com a forma como podemos melhorar certos aspetos, mas diria que estamos do bom lado da História”, afirmou o político português durante uma conferência intitulada “Migração Global, Responsabilidade Global”.
Cabrita afirmou que Portugal é dos países que melhor acolhem migrantes: tanto de países lusófonos como de novas origens, como as comunidades ucraniana e moldava ou refugiados vindos do Médio Oriente. “Portugal é, ao lado da Suécia, considerado um dos dois países da Europa que melhor integram os seus migrantes”, relembrou o ministro, reforçando a ideia de que Portugal é o quinto dos 28 países com maior número de refugiados recolocados, que estão espalhados por 91 municípios de norte a sul de Portugal.
Migrantes ajudam a resolver problemas da Europa
Já a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, preferiu não focar a questão no desempenho português, mas sim nos desafios que a Europa enfrenta.
“A questão dos fluxos migratórios através do Mediterrâneo não surgiu nos dias de hoje. Há uma década, o Mediterrâneo era já a fronteira mais letal do mundo”, recordou a ministra portuguesa durante a conferência “Irá a União Europeia sobreviver à crise migratória?”.
Depois de 2011, os fluxos migratórios passaram a ser mistos: agora, no mesmo barco, são transportados migrantes económicos e refugiados. “A Europa, mais do que um dever jurídico, tem um dever civilizacional e moral de proteger quem sofre com a guerra. Não nos podemos esquecer que, antes desta crise dos refugiados, já tivemos outras crises e a maior de todas foi provocada pela ii Guerra Mundial”, frisou.
“Podemos receber todos os refugiados do mundo? Claro que não, nunca teremos essa capacidade. Mas podemos fazer muito mais para cumprir não só o nosso dever jurídico, mas também civilizacional. Se quisermos preservar a paz e a coesão social, temos de investir mais nas sociedades europeias, na integração de migrantes, e preparar as sociedades de acolhimento para algo que é inevitável nas próximas décadas”, acrescentou.
Para além disso, Constança Urbano de Sousa defendeu que a Europa pode beneficiar da vinda destas pessoas para o continente europeu: “Se tivermos em consideração o declínio demográfico na Europa, a migração é uma oportunidade para inverter este problema, que tem efeitos nefastos no nosso desenvolvimento económico, na sustentabilidade dos nossos sistemas de segurança social.”
Não aos muros de betão ou de “indiferença”
O primeiro-ministro, António Costa, tinha sido convidado para fazer o discurso de encerramento das Conferências do Estoril mas, convocado pelo Presidente da República, teve de ser substituído pelo ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, que alertou para os perigos do terrorismo e do enclausuramento europeu através de muros de betão ou de “indiferença”.
“O terrorismo não é apenas um ataque à nossa vida, é também um ataque ao modo como vivemos. Ao tomarem por alvo escolas e locais de culto, transportes públicos e salas de concertos, os terroristas ameaçam o quotidiano das nossas sociedades. Ao tomarem por alvo pessoas comuns, em particular mulheres e crianças, os terroristas ameaçam o próprio futuro destas sociedades”, afirmou Caldeira Cabral.
O ministro da Economia elogiou também a forma como Portugal tem recebido os refugiados e migrantes que têm chegado ao nosso território e a forma como as comunidades têm recebido estes grupos de pessoas: “Historicamente, Portugal é um país de emigrantes, mas nas últimas décadas tornou-se também um país de acolhimento. A experiência tem sido muito positiva, tendo sido acolhidos na sociedade portuguesa, com elevados níveis de sucesso, imigrantes provenientes de várias origens geográficas, com referências culturais diferentes e professando as mais variadas religiões. Os portugueses orgulham-se de ser há muito um país aberto ao mundo, um país pronto a partir em direção a outro, mas também um país pronto a acolher o outro.”
O ministro da Economia defendeu que a Europa deve continuar a ter fronteiras externas, mas deve também continuar a não ter barreiras internas porque, tanto nas questões relacionadas com os fluxos migratórios como nos problemas ligados ao terrorismo, “o maior risco que corremos é acreditar que podemos proteger-nos por detrás de um muro, quer seja de betão, quer seja de indiferença. Numa altura em que muitos parecem apostados em construir muros, Portugal quer continuar a colaborar com aqueles que querem construir pontes”.