Em 10 de junho de 1974, apesar da revolução que tinha acontecido três meses antes, e que execrava o espírito do “Dia de Portugal”, houve feriado na mesma. O que não houve foram comemorações oficiais – o feriado estava tão associado à ditadura que o novo regime não quis oferecer pompa nem circunstância a um dia que servia ao regime salazarista-marcelista para exaltar o império falhado.
Aconteceram coisas, mesmo assim. Uma “manifestação popular de apoio ao Movimento das Forças Armadas” levou a que dois dos heróis do 25 de abril, os generais António de Spínola e Francisco Costa Gomes aparecessem num terraço do Palácio de Belém a agradecer o apoio dos 15 mil manifestantes, segundo contas do Diário de Lisboa.
A manifestação – “convocada por diversas forças democráticas” – tinha começado no Marquês de Pombal, descido a avenida da Liberdade, passado pelos Restauradores e subido até ao Largo Camões, homenageando o poeta com ramos de flores. Rumou a seguir a Belém e o aparecimento dos dois generais na varanda do Palácio de Belém foi “a grande apoteose”, escreve o Diário de Lisboa.
O 10 de junho de 1975 continuou a ser feriado, mas o governo liderado pelo general Vasco Gonçalves apelou aos portugueses para irem trabalhar em nome da “batalha da produção”, tal como a Intersindical. Carlos Carvalhas, que anos mais tarde será secretário-geral do PCP e a 10 de junho de 1975 era secretário de Estado do Trabalho, disse nesse dia em que muitas empresas, incluindo privadas, não fizeram feriado: “Os trabalhadores que em todo o país abdicaram do seu feriado são exemplos verdadeiramente revolucionários que esperamos ver frutificar”.
Para o então secretário de Estado do Trabalho, “a posição que se assume perante a batalha da produção é que distingue os verdadeiros dos falsos revolucionários”. Carlos Carvalhas estava em visita à empresa Cometna, que produzia válvulas e estava em regime de autogestão. Dias antes, a 27 de maio de 1975, tinha sido preso o administrador, Alfredo Alves.
A delegação governamental que visitou algumas empresas que recusaram o feriado incluía, além de Carlos Carvalhas, o ministro do Trabalho major Costa Martins; o ministro da Indústria João Cravinho, que será mais tarde ministro de governos PS e ainda o 1º tenente Judas que nessa visita sentenciará: “A revolução não pode aceitar os que não trabalham”.
Em 1976 não se passou nada de relevante – o candidato a Presidente da República Ramalho Eanes andava em campanha eleitoral entre Buarcos e Coimbra para as eleições que se realizariam daí a duas semanas, a 27 de junho. Numa das intervenções, falou de Camões. Pinheiro de Azevedo, outro dos candidatos presidenciais, andava pelo Algarve em visita na qualidade de chefe do governo.
O 10 de junho tal como hoje o conhecemos só foi criado em 1977, sob o nome “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas”. Foi comemorado oficialmente na cidade da Guarda, com as presenças do então Presidente da República Ramalho Eanes e do primeiro-ministro Mário Soares. Jorge de Sena, o escritor radicado há muito tempo nos Estados Unidos, fez um discurso extraordinário em defesa de Camões – incluindo a justificação de que não se poderia chamar a Camões “fascista”.
“Pensarão alguns, acreditando no que se fez do pobre Camões durante séculos, que celebrá-lo, ou meditá-lo e lê-lo, é prestar homenagem a um reaccionário horrível, um cantor de imperialismos nefandos, a um espírito preso à estreiteza mais tradicionalista da religião católica. Camões não tem culpa de ter vivido quando a Inquisição e a censura se instituíam todas poderosas: se o condenamos por isso, condenamo-nos nós todos a que, escrevendo ou não-escrevendo, e ainda vivos ou já mortos, resistimos durante décadas a uma censura opressiva, e a uma repressão implacável e insidiosa, escrevendo nas entrelinhas como ele escreveu”, disse Jorge de Sena.