Em duas décadas de chavismo nunca se viu um ataque de tal maneira arrojado como o que o ex-inspetor Oscar Pérez executou no fim da tarde de terça-feira em plena Caracas. Por volta das 18h locais – momento em que milhares de venezuelanos regressavam do trabalho num novo dia de violentos protestos antigovernamentais –, o antigo oficial da polícia lançou-se num helicóptero roubado às perícias policiais em que fez carreira e sobrevoou algumas estruturas do governo até se decidir a disparar algumas balas contra o edifício do Ministério do Interior e quatro granadas israelitas contra o edifício do Supremo Tribunal, ambas estruturas associadas ao controlo do oficialismo do país.
Officials in Venezuela say stolen helicopter fired 15 shots at Interior Ministry, launched grenades at Supreme Court https://t.co/6ALQzLmfs0 pic.twitter.com/I10MAuZOgP
— ABC News (@ABC) June 28, 2017
Umas 80 pessoas estariam no Ministério do Interior a celebrar o dia nacional dos jornalistas, mas o ataque de Pérez acabou sem feridos, mortos ou grandes estragos. Terminou também sem a sua captura. Dispersado pelos guardas nacionais venezuelanos, o helicóptero em que viajavam Pérez e um pequeno grupo de milicianos antigovernamentais aterrou ainda uns 15 minutos no telhado de um prédio residencial antes de partir para o desconhecido. Respondendo ao atentado “terrorista”, Nicolás Maduro prometeu capturar os atacantes “mais cedo que tarde”.
Novo patamar
O ataque de terça-feira é um novo patamar nas semanas de violência em que a Venezuela vive imersa desde abril, quando o governo de Nicolás Maduro tentou esvaziar de poder a Assembleia Nacional e único órgão do Estado controlado por opositores. Desde então, morreram mais de 75 pessoas – os números variam de previsão para previsão e esta é autoria da Reuters –, sobretudo manifestantes, mas também agentes da polícia e apoiantes de Nicolás Maduro.
As ruas pedem eleições antecipadas, mas Maduro não só se recusa a agendá-las como pretende construir uma Assembleia Constituinte para – diz a oposição – se preservar no poder. Mantendo-se as coisas como estão, o presidente venezuelano vai a eleições no final de 2018, numa crise de popularidade, grave crise económica, hiperinflação que rondará os 800% e um clima de anarquia e pilhagens como o que se viveu de segunda para terça-feira em Maracay, uma cidade a cerca de cem quilómetros de Caracas onde quase 70 supermercados e lojas foram assaltados desde o início da semana.
Os manifestantes e a oposição da Meda Democrática (MUD) acusam o governo de responder com violência e ignorar as ruas, mas o assalto de Pérez parece validar a linha argumentativa de Nicolás Maduro, que afirma que os manifestantes tentam fazer um golpe de Estado e são eles a desrespeitar as instituições do governo. “Este é o tipo de escalada armada que venho denunciando”, declarou Maduro, cujo governo punha a circular esta quarta-feira pelas suas televisões fotografias de Pérez à frente do Capitólio, em Washington, afirmando que o antigo polícia atacou sob comando dos serviços secretos americanos, que servem de álibi para praticamente tudo o que corre mal na Venezuela.
Soldiers using tear gas to disperse protesters in Maracay, about an hour & a half outside of Caracas #Venezuela #27J pic.twitter.com/1CVPFPexVV
— Kevin Rincon (@KevRincon) June 28, 2017
“Ativei a Força Armada Nacional para defender o direito à paz”, prosseguiu Maduro. “Condeno o ataque e exijo ao MUD que faça o que é devido”, lançou. A oposição, no entanto, afirmava esta quarta-feira que não tinha consigo todos os detalhes sobre o atentado e alguns elementos sugeriam que ele podia ter sido encenado para fortalecer a mão do governo.
Coligação de polícias e militares
Maduro não anunciou medidas draconianas de resposta ao assalto de terça, como muitos opositores temiam. Pérez, por sua vez, que voou com uma bandeira fazendo referência ao artigo 350 da Constituição, que afirma que os venezuelanos não devem reconhecer um governo não democrático, publicou nas redes um vídeo afirmando que o ataque foi ação de um coletivo de “funcionários militares, policiais e civis” que pretende agir contra a “tirania do governo”.
O vídeo publicado pelo antigo polícia e instrutor de voo mostra-o em frente a um grupo de homens encapuzados e armados, mas não é certo qual a dimensão ou apoio do seu suposto movimento. “Temos duas escolhas”, disse Pérez. “Ser julgados amanhã pela nossa consciência e pelo povo, ou começar hoje a libertar-nos deste governo corrupto.”