Dos nomes indicados pelo governo para a Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM) – autoridade reguladora em Portugal das comunicações postais e das eletrónicas –, só o do presidente, João Cadete de Matos, quadro do Banco de Portugal, passou ontem na votação da Comissão de Economia e Obras Públicas da Assembleia da República. No plenário, se é certo que o tema da Altice foi discutido, a pedido do PCP, não houve qualquer menção à questão dos nomes indicados para a ANACOM.
Antes o deputado Joel Sá (PSD), relator da Comissão, apresentara um parecer que demonstrava haver incompatibilidades de Dalila Araújo e Margarida Moura e Sá por estarem contratualmente vinculadas à PT/Altice. Na Comissão de recrutamento e seleção para a administração pública (Cresap) foi assinalado que o fato das visadas terem ligações a uma empresa de comunicação representa uma incompatibilidade para exercerem o cargo de reguladores. Isto é, podiam levar a que tivessem de emitir opinião reguladora sobre um negócio envolvendo a PT/Altice. Ao governo foi sugerido, então, que encontre alternativas.
“Queremos mesmo ter alguém que trabalha para a Altice a regular a entrada da Altice na TVI? O conflito de interesses é evidente”, apontou um deputado membro da Comissão, ao i.
Dalila Araújo, senior advisor da Altice, foi secretária de Estado da Administração Interna entre 2009 e 2011, no segundo governo de José Sócrates, e antes governadora civil de Lisboa. Margarida Moura e Sá estava na Fundação para as Comunicações desde que Zeinal Bava se tornou CEO da PT e mantém a ligação à Altice.
As operadoras concorrentes à PT/Altice, a NOS e a Vodafone, já haviam demonstrado preocupação devido à ligação das indicadas com a Altice e foi agora a vez do parlamento confirmar essa preocupação.
O Bloco de Esquerda pediu o adiamento da votação que, no entanto, não é vinculativa, e o governo pode mesmo assim avançar com as suas escolhas..
Sobre Moura e Sá, diz o parecer, a que o i teve acesso, que “além das dúvidas expressas por todos os grupos parlamentares exceto o do PS relativamente à capacidade de isenção e independência da candidata indigitada” se junta o facto de dois dos candidatos provirem da mesma operadora à qual têm à data vínculo pondo em causa a capacidade de isenção e independência do regulador no seu todo”.
Sobre Dalila Araújo, depois de idêntica conclusão, acrescentam-se as “interrogações colocadas por dois outros operadores do mercado sobre essa mesma garantia e capacidade de isenção e independência” [a NOS e a Vodafone]”, já referidas.
E à tarde debateu-se
Horas depois, debateu-se o assunto em plenário, a pedido do Partido Comunista. Jerónimo Sousa, secretário-geral, disse que o governo liderado por António Costa tem “a obrigação” de travar a compra da TVI pela Altice, defendendo que a PT deve regressar ao “controlo público” e o PCP apresentará um projeto de resolução para isso mesmo.
Para Jerónimo, essa “é única maneira de garantir que a PT está ao serviço do povo e do país”. “O que está a acontecer com a PT é resultado da política de direita de sucessivos governos de PS, PSD e CDS”, acusou ainda o líder dos comunistas.
O Partido Socialista assumiu acompanhar “ naturalmente” as preocupações dos partidos à sua esquerda com a preservação dos direitos laborais no setor privado, salientando que consigo a taxa de desemprego “tem diminuído” e, coincidentemente, lançando um apelo aos mesmos reguladores que não conseguira nomear nessa manhã. “A República tem leis. Confiamos nas entidades reguladores, que ainda não se pronunciaram, e aguardamos o momento certo”, adiantou o socialista Pedro Coimbra.
O Bloco de Esquerda, menos sereno, acusou a Altice de ser responsável “pelo maior processo de assédio moral em larga escala que Portugal já conheceu”. Para o Bloco, a Altice “comporta-se como um fundo abutre”, “encapota despedimentos” e acha “que Portugal é uma República das bananas”.
À direita, o PSD atirou as culpas da privatização da PT para “José Sócrates e o seu governo”, depois da CDU ter lembrado que fora Aníbal Cavaco Silva a iniciar o processo. “Foram vocês, socialistas, que usaram e abusaram de todos nós num caldo de negócios obscuros e ruinosos”, ripostou Adão Silva, pelos sociais-democratas.
O CDS, através de Mota Soares, acusou a esquerda de “branquear” a história da PT, exemplificando os negócios com a Oi, do tempo de Sócrates.
“O que está a acontecer com a PT é o resultado da política de direita de sucessivos governos de PS, PSD e CDS”