O crepitar da popularidade

Estes não são os melhores dias deste governo

Ontem, em conversa com um amigo, e para minha surpresa, porque nunca tínhamos falado sobre política, notei algum descontentamento por parte dele com o governo: “Estes tipos adiam, adiam…” Perguntei-lhe: “Noto então que está descontente com este governo”, e ele respondeu: “Estou, estou descontente com este governo.” Sem se deter, soltou uma risadinha e prosseguiu: “Bem, não é que estivesse contente com o anterior…”

Provavelmente, este meu amigo faz parte do “eleitorado flutuante” do centro: aquela gama de pessoas que, consoante as circunstâncias, vota ou no PS ou no PSD, dando a vitória a um ou a outro. E duas coisas irritaram especialmente este meu amigo. Em primeiro lugar, a substituição ocorrida neste inverno de vários responsáveis da proteção civil por pessoas sem qualquer experiência nesse tipo de funções. Ainda nas palavras do meu amigo: “Juristas. Todos juristas. Os juristas servem para tudo. Aliás, o António Costa é jurista.” (Nota: não tenho nada contra juristas, a não ser os preços elevados que cobram pelos seus serviços).

Dinheiro. O segundo ponto que irritou o meu amigo é a demora com que está a ser feita a reposição de rendimentos das pessoas, sobretudo as dos mais desvantajados. “Inaceitável”, penso que foi a palavra que ele usou.

Tratemos estes dois pontos separadamente. Em primeiro lugar, a substituição de quadros experientes da proteção civil por boys inexperientes é um assunto que eu acompanhei com pouca ou nenhuma atenção. Mas, a confirmar-se que assim tenha sido feito, raia as roças do criminoso. E, se os incêndios que devastam o centro do país (já vamos com 100.000 hectares ardidos, o que corresponde aproximadamente a 100.000 campos de futebol (!)), isto não contabilizando as perdas de vidas humanas, talvez a inexperiência destes novos responsáveis tenha tido alguma influência nisso. Só não reclamo a demissão da ministra da administração interna porque ela tem, juntamente com os operacionais que combatem os fogos no terreno, um dos trabalhos mais árduos deste país.

Quanto ao segundo ponto, o aumento dos rendimentos. Por mais que nos custe, temos que ter paciência. O orçamento do próximo ano trará algum desagravamento fiscal aos que pagam IRS. Seria bom que esse desagravamento fiscal, ou o aumento de subsídios, se estendesse ao conjunto da população. Eu, por exemplo, como estou desempregado, e sem receber subsídio, não vou ser beneficiado pela baixa do IRS. Para abranger o conjunto da população, seria necessário arranjar outras formas, como reduzir os impostos indiretos, dos quais o exemplo paradigmático é o IVA, não limitando essa baixa aos restaurantes. Se o PS se distinguiu pelo aumento dos impostos indiretos, parece-me da mais elementar justiça que, na medida do possível, sem comprometer a recém alcançada estabilidade financeira de Portugal, os baixe. Tenho muita admiração pelo trabalho de Mário Centeno.

A tragédia de Pedrogrão Grande foi o ponto de viragem na subida da popularidade deste governo? Não creio. A economia continua a crescer bem, e a emigração já não é a única opção para a subsistência, em especial para os jovens, mas também para os menos jovens. Se a economia mantiver ou aumentar o seu ritmo de crescimento, o desemprego vai continuar a baixar (ainda está em 9,4%, o que é muito elevado, eu que o diga). E, com mais dinheiro no bolso, as pessoas tenderão a reconduzir o PS para o governo em 2019. Além disso, António Costa, que toma decisões sensatas e prudentes, e que se exprime com clareza e com a agressividade necessária quando é preciso, está de volta à ribalta. Para além do mais, com a oposição desastrada, em especial do PSD, que temos. Claro, as coisas podem mudar. Estou convencido que os dias de Passos Coelho como líder do PSD estão contados, e já não serão muitos. São poucos os que o querem novamente como primeiro-ministro. Em 2019 António Costa pode ter um adversário mais difícil, como Rui Rio.

Em suma: não vejo a debandada do eleitorado do centro do PS para o PSD. Este momento de confusão e de descida da popularidade do PS é como uma fogueira que, no fim, acabará por se extinguir, como os incêndios que destroem parte do país. O mais rapidamente possível, espero.