«O problema do passismo é que não sabemos». É assim que um deputado do grupo parlamentar do PSD explica ao SOL o motivo para as reações, mesmo que discretas, ao discurso de Passos Coelho no Pontal terem sido tão divergentes. O presidente dos sociais-democratas abriu, pela primeira vez, a porta a um discurso mais securitário. Depois da surpresa inicial, chegaram, ao mesmo tempo, a revolta e o apoio.
Barcelona dá razão?
O atentado do Estado Islâmico em Barcelona, quatro dias mais tarde, veio, para alguns altos quadros do partido, «dar razão a Passos Coelho».
Devido à proximidade geográfica do ataque terrorista e à proximidade temporal ao discurso feito na Festa do Pontal, há ‘laranjinhas’ que reconhecem o ponto ao líder da Oposição.
«A segurança é uma temática que vai ser cada vez mais inevitável na Europa. Daqui a cinco anos, não há um político que não fale nisso. Se ele for o primeiro, torna-se num tema complicado para Costa [o primeiro-ministro] abordar», aponta um membro do Conselho Nacional.
Se é ou não uma retórica para ficar, também não há certezas, na medida em que – como dizia o parlamentar – no ‘passismo’ nunca se sabe. «Ele é assim. No último congresso, houve gente que não soube se ia para a comissão permanente até ao último dia. Nas legislativas, a estratégia também esteve sempre na mão dele. É uma forma de liderança mais concentrada, se quiser», clarifica a fonte, que requisitou anonimato.
Na abertura do ano político do PSD, vinte segundos do discurso de cinquenta minutos destacaram-se. «Vejam as alterações que foram feitas à lei dos estrangeiros que permitem que qualquer pessoa possa ter autorização de residência em Portugal desde que arranje uma promessa – uma promessa, reparem bem – de ter um contrato de trabalho», sugeriu Pedro Passos Coelho, afirmando que «o Estado deixará de ter condições para expulsar alguém que possa, sendo imigrante, ter cometido crimes graves contra a sociedade portuguesa».
E acrescentou, em jeito de questão retórica: «O que é que vai acontecer ao país seguro que temos sido se esta nova forma de ver a possibilidade de qualquer um residir em Portugal se mantiver?».
A resposta, à esquerda, foi mais uniforme e contrariada.
João Galamba, porta-voz do Partido Socialista, classificou o discurso deste modo: «Pela primeira vez em muitos anos tivemos em Portugal um líder político e o líder político do maior partido da oposição, a ensaiar um discurso racista e xenófobo, à semelhança do que vemos noutros países, em França, nos Estados Unidos», em evidente comparação entre Passos, Donald Trump e Marine Le Pen. E o PS não ficou por aí.
Ana Catarina Mendes, número 2 do Partido Socialista, considerou que o PSD «continua muito à direita do seu lugar» e o presidente dos socialistas, Carlos César, avançou que «Sá Carneiro, se fosse vivo, corava de vergonha com o PSD que hoje temos». Do lado do Bloco de Esquerda, a deputada Joana Mortágua defendeu que «esta ideia sobre novas regras de imigração, que são bastante razoáveis, tem como único objetivo, depois de todos os argumentos perdidos, apostar no preconceito, no ataque aos mais fracos, como estratégia de sobrevivência».
Quantos PSD’s no PPD?
Ao que o SOL apurou, há, na direção nacional de Passos Coelho, mais que uma voz a apoiar a abordagem às temáticas da segurança como área por explorar no debate público.
«Passos tem que começar a dizer aquilo que as pessoas verdadeiramente sentem. Tem de ser polido a dizê-lo, mas deve fazê-lo», considera um deputado do Partido Social Democrata. «Ele é um homem prático e informado. Não creio que tenha sido lapso nenhum», termina. «99% das pessoas não sabem do que ele estava a falar. Já eu não percebo porque foi falar nisso», ironiza outro, que não deixa de dar «razão» a Passos Coelho «apesar da gritaria».
Um próximo de Passos que presenciou o discurso no Pontal admite ser «curioso que num discurso de 50 minutos que fala em Saúde, Educação e Proteção Civil, a esquerda só consiga responder a estes vinte segundos», enquanto outro lamenta o sucedido: «Um país só para os que são de cá? O que lhe deu?».
Mais distantes da Assembleia da República, dois antigos membros do governo conduzido por Passos Coelho revelam uma análise mais fria do sucedido. «Não é costume dele explorar o tema», observa um deles. «Não acredito que signifique o que lhe parecem querer atribuir», diz outro dos que integraram o executivo da coligação PàF. «Os discursos têm é que ser melhor preparados».
Não há, portanto, unanimidade na receção à temática securitária no PSD. E o partido que esperava ver os socialistas em divisão perante a ‘geringonça’ pode ser quem, afinal, ameaça uma divisão dentro de si.