Não é comum em Portugal os políticos assumirem publicamente a homossexualidade. Até agora nenhum governante o tinha feito. A secretária de Estado da Modernização Administrativa, Graça Fonseca decidiu fazê-lo porque “as leis não bastam para mudar mentalidades” e abriu uma discussão sobre se os políticos devem ou não assumir a sua orientação sexual.
“Esta minha afirmação é completamente política”, disse a governante numa entrevista ao “Diário de Notícias”. A declaração foi saudada pelos ativistas dos direitos LGBT. Ao i, Paulo Côrte-Real, ex-presidente da ILGA, defende que a declaração feita por Graça Fonseca “é absolutamente fundamental” para combater a discriminação. “Basta ver o impacto que está a ter e as críticas que gera. Qualquer crítica é a melhor prova da sua necessidade, ou seja, as pessoas continuam a lidar mal com a afirmação pública de ser lésbica ou gay. Não estamos a falar de uma discriminação que esteja combatida. Estamos no início dos inícios”, afirma Paulo Côrte-Real, que classificou a declaração da governante como “um gesto histórico”.
“É-me indiferente” Graça Fonseca recebeu muitas mensagens de apoio, mas também não faltaram responsáveis políticos a criticarem a entrevista. “A sexualidade de quem integra o governo é-me completamente indiferente, mas querer fazer política por conta desse tema já me revela muito. Hoje, uma coisa assim não demonstra coragem, diferença ou novidade. Apenas exibe que não tem mais nada para dizer”, escreveu, nas redes sociais, o vice-presidente do grupo parlamentar do PSD, Carlos Abreu Amorim.
Não foi o único. Virgílio Macedo, deputado do PSD, desvalorizou a revelação com o argumento de que “era importante, sim, ela dizer o que fez ou o que vai fazer como secretária de Estado, o resto é-me inteiramente indiferente (…) Pelos vistos ser homossexual é curriculum”.
O dirigente do CDS e ex-deputado Raul de Almeida acompanhou as críticas feitas por alguns sociais-democratas e defendeu que um governante deve falar das políticas que está a desenvolver e não da sua orientação sexual. “Não me diz respeito, nem me interessa”.
Ao longo do dia, vários deputados e dirigentes políticos elogiaram a declaração feita por Graça Fonseca, principalmente dos partidos mais à esquerda. “Cada crítica confirma a importância deste momento histórico”, afirmou Isabel Moreira. A deputada socialista elogiou “a coragem” da governante e defendeu que “o espaço público precisa de mais coragem, de mais Graças Fonsecas”.
Tiago Barbosa Ribeiro, deputado do PS, também elogiou “um ato de profunda coragem e exemplo”. Em resposta aos que desvalorizaram a declaração da governante, o deputado socialista afirmou que “achar que isso não interessa nada no Portugal de 2017 é não conhecer o país crivado de preconceitos que ainda somos. Tendo uma posição de destaque e poder social, ajudou certamente a que os alvos da discriminação numa qualquer família, escola, empresa, rua, possam sentir-se hoje mais protegidos”.
O primeiro deputado
Miguel Vale de Almeida foi o primeiro deputado assumidamente homossexual. Foi deputado, eleito pelo PS, entre 2009 e 2011 e saiu quando foi aprovada a lei que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo. “É uma decisão política, mas não no sentido típico de que houve uma rutura ou desentendimento, mas sim porque cumpri uma tarefa. Eu e o PS cumprimos uma tarefa de forma, aliás, bastante leal e honrosa e sinto que posso regressar à minha vida profissional”, afirmou o antropólogo quando deixou a Assembleia da República.
Miguel Vale de Almeida considerou, nessa altura, em declarações à agência Lusa, que, da sua passagem pelo parlamento, “provavelmente o que ficará como mais importante para a nossa democracia, quando se olhar para trás daqui a uns bons anos, será o facto de termos tido pela primeira vez um deputado assumidamente LGBT”. Ontem, o professor universitário elogiou Graça Fonseca.: “uma governante lúcida, inteligente, bem formada, e a marcar a diferença entre privacidade e identidade ao assumir-se, num gesto político, como lésbica”.