Marcelo Rebelo de Sousa não comentou as críticas de Cavaco Silva, mas dedicou quase dois minutos a explicar como devem ser as relações entre presidentes. “Já sabem o que eu vou dizer, porque eu não comento nem declarações, nem decisões de antigos presidentes”. Podia ter ficado por aqui, mas não ficou. Marcelo defendeu que é preciso ter “muito cuidado no relacionamento com quem foi Presidente da República ou está a ser Presidente da República”, porque “se os sucessivos presidentes (…) não têm respeito naquilo que dizem uns dos outros em termos de forma e conteúdo, acabam por não se fazerem respeitar pelo povo”.
O recado estava dado, mas o Presidente da República fez ainda questão de garantir que quando sair do cargo não fará o mesmo que Cavaco: “quando deixar de ser presidente não farei comentários aos sucessores”.
Nada que o próprio Cavaco Silva não tivesse também prometido uns meses depois de deixar o cargo. “Ninguém, em princípio, irá ouvir qualquer comentário sobre a forma como exerceram ou estão a exercer as funções como presidentes da República”, disse Cavaco Silva, numa entrevista à RTP, em fevereiro, quando questionado sobre o estilo do atual chefe de Estado. É verdade que o ex-Presidente da República nunca criticou diretamente Marcelo Rebelo de Sousa, mas ninguém acredita que não estivesse a falar dele quando, na Universidade de Verão da JSD, criticou “a verborreia frenética dos políticos” que “não dizem nada de relevante”. Para Cavaco, “a palavra presidencial deve ser rara”.
O ex-Presidente da República atacou também a geringonça – uma solução política que contestou quando ainda estava em Belém – e avisou que aqueles que querem realizar a revolução socialista “acabam por perder o pio ou fingem apenas que piam”.
"Saudades" e "disparates" Passos Coelho ouviu e aplaudiu Cavaco a dar razão à sua estratégia. Já António Costa disse que sempre foi “reformista” e não iniciou “nenhuma revolução”. O líder dos socialistas considerou “natural que alguém que durante tantos anos foi político profissional tenha agora algumas saudades do palco, e é também natural que haja pessoas que tenham saudades do estilo presidencial que o professor Cavaco representou”.
A resposta a Cavaco já tinha sido dada pelo PS. “Gostaria que durante o tempo em que esteve na Presidência da República tivesse piado mais, ou seja, tivesse agido mais na defesa dos portugueses”, afirmou a deputada socialista Susana Amador. Os socialistas acusaram o ex-Presidente da República de “falta de sentido de Estado”.
A intervenção do homem que mais tempo esteve no poder em Portugal desde o 25 de Abril foi criticada por vários socialistas. João Galamba, porta-voz e deputado do PS, lamentou que seja “o Presidente mais impopular de sempre” a dar “lições sobre o uso da palavra presidencial”.
Uma das críticas mais duras foi feita pelo Bloco de Esquerda. Joana Mortágua considerou, num comício dos bloquistas, em Almada, na quarta-feira à noite, que o antigo primeiro-ministro e Presidente disse vários disparates. “Saí de casa e entrei no carro e assisti a um antimilagre de ressuscitação. Parece que ouvi no rádio uma voz do além, das profundezas, a dizer uma série de disparates e afinal era o Cavaco Silva que tinha voltado, não se sabe bem de onde, para dizer umas coisas”.
Soares e Cavaco Cavaco foi certamente o Presidente da República mais criticado por um dos seus antecessores. Mário Soares acusou o então Presidente de não respeitar a Constituição da República e chegou a sugerir a sua demissão. Cavaco Silva nunca respondeu às críticas por “respeito e defesa da dignidade do órgão de soberania que é a Presidência da República”. Marcelo também não comentou Cavaco por “uma questão de respeito pela função presidencial, pelo prestígio da democracia”.