A espera do Passos que Lisboa não conhece

No verão das autárquicas, o SOL fez um fim-de-semana de norte com Passos Coelho. O líder do PSD entra no ano político com baterias recarregadas mas o discurso de sempre.

A espera do Passos que Lisboa não conhece

A matrícula diz ‘PS’ mas é o presidente do PSD que segue no interior do carro: durante a legislatura, da São Caetano à Lapa para o Parlamento; durante o verão, de norte a sul do país. O acaso ter oferecido a sigla do Partido Socialista ao automóvel de Pedro Passos Coelho é encarado com humor. «Ele gosta de andar em cima do PS», brinca um, na estrada. «Já mandámos vir a letra ‘D’ para ficar como deve ser», acrescenta outro. Desta vez, rumo ao norte, à feira Agrival em Penafiel, a Terras de Bouro, mais para cima, e a Ribeira de Pena, em apresentações de candidaturas para as autárquicas que aí vêm.

É campanha, Passos apresenta-se sem gravata, com casaco só de noite, e a secretaria-geral (nesse fim-de-semana sem Matos Rosa) consigo. Entre as pausas políticas, que também as há, os adjuntos – um mais jovem, outro com mais anos de casa – seguem a atualidade desportiva: João Montenegro, o ciclismo; Lélio Lourenço o ‘seu’ Benfica.

O poder local recebe bem o líder, os candidatos querem ser vistos ao seu lado pelo eleitorado e pelas câmaras. Passos tem paciência, para uns e para outros. Na Agrival, cumprimenta todas as banquinhas num percurso que levou mais de duas horas.

Uns beijinhos, uns apertos de mão, dois dedos de conversa. Para as crianças inclina-se, pisca o olho e pergunta por tu se «estás bom» – o SOL até o viu oferecer um balão a um sortudo infante; aos empreendedores agrícolas deseja «boa sorte», sem especificar para quê. «É preciso gente nova e ir para a frente», incentiva a um empresário na casa dos trinta. 
Quando perdura o diálogo para a política, insiste na questão da Saúde, que o preocupa. «As prioridades do Governo estãp centradas nos salários e os equipamentos do Serviço Nacional de Saúde a minguar…», diagnostica. «A capacidade de resposta está a diminuir. Os privados não formam e o Estado não tem capacidade para formar». É um lamento, mas também um aviso. A «sustentabilidade dos serviços públicos» está em causa, defende, e não era discurso. «Para um governo de esquerda é paradoxal», ironiza e dois industriais da saúde acenam.

Quando o interlocutor é crítico – e aconteceu – não se afasta; escuta, continua a sorrir. «Têm é que dar mais aos mais pobres», pedem três comadres, da área têxtil. «Desculpe lá, mas tinha que dizer. Já tenho 71 anos», murmura uma delas. «71?! ‘Tem nada, não acredito! Mas falou bem, falou bem», acerta o político, na voz que habitou baixa.

É o Passos que Lisboa não conhece. 

Um militante veterano aproxima-se e pergunta, sem maldade. «Então ganhou as eleições e foi dar o poder aos outros?». O ex-primeiro-ministro responde e o círculo anima-se. «Dar? Mas eu não dou nada a ninguém, toda a gente sabe!». A tirada descontrai, o ‘laranjinha’ de Penafiel ri, repetem o cumprimento e Passos segue para o próximo stand, sem pressa. Apressado, aliás, é condição que não se vê no líder da Oposição. Com mais de duas décadas de carreira política – e de estrada – conhece bem as distâncias, mesmo as mais longas. Vai esperando em movimento. O sol da Manta Rota recarregou-lhe a resiliência.

Uma vendedora pronta para a televisão exibe-lhe um tupperware e um bolo cozinhado. Passos entra na coreografia e ajuda a terminar a sobremesa. A senhora oferece-lhe um recipiente, para levar consigo. Ele agradece e fica mais um bocadinho. Partilha com ela e com a comitiva, que se mantém, a receita para panquecas que conhece desde criança. Ela, claro, partilha de volta a dela. Segue, novamente, e a hora de jantar apressa-se. Foi carne, mas não assada, em mesas de bancos corridos. Na cabeceira central surgiu mais tarde Marco António Costa, seu vice-presidente, num Norte que é o seu. E a ‘jota’ em peso na ajuda à disposição.

O líder, diz-se à mesa, não mudou. Não veste pele de presidente de partido, de líder de oposição ou fato de primeiro-ministro para o convívio. É o mesmo. Na última ronda, pára numa mesa com artesanato festivo. A comerciante fica nervosa – «não estava à espera, não estava à espera», admite depois ao SOL, «nem votei nele, mas não estava à espera» – e Passos comenta, igual a si próprio, com a estatueta de um santinho na mão e em plena época balnear: «É agora que se começa a preparar o natal!». Já ia em mangas de camisa. A prudência política é que não arregaça. À saída, assina bandeirinhas de militantes mais velhos, umas com nomes dos seus antecessores, outras em branco (isto é, laranja) à espera do seu nome. Desde 2015, quando a receção em Penafiel até o próprio surpreendeu, que Passos regressa à feira mencionada. Era ano de legislativas. «Até se agarravam a ele», conta um militante que testemunhou, sendo interrompido por uma familiar: «Já houve muitas bocas? Não? Isso é que interessa».

Quando falou à imprensa, antes de se despedir da Agrival, falou pela primeira no desafio para depois das autárquicas que António Costa, que lhe sucedeu em São Bento, havia feito dias antes em entrevista ao semanário Expresso . O primeiro-ministro, que chefia um Governo minoritário do Partido Socialista, quer consensos nas obras públicas – e o seu adjunto no Executivo, Pedro Nuno Santos, vê o pacto também como essencial para o próximo quadro comunitário (de fundos da União Europeia).

Passos, no entanto, concedeu menos aí que nos resultados económicos – que reconheceu positivos – e optou menos pela ironia com que havia respondido às acusações de racismo por parte do Bloco de Esquerda – «o Verão não deve estar a fazer bem a toda a gente». Sobre o desafio de Costa para um acordo, Passos Coelho separa aquilo a que gosta de chamar «reformas para futuro». São águas distintas. 

«O consenso pedido pelo primeiro-ministro para criar um Conselho de Obras Públicas e definir essas prioridades para futuro? As declarações do primeiro-ministro são um pouco equívocas», comenta. «Nós fizemos, na altura, um acordo de propostas estratégicas na área das infra-estruturas das Obras Públicas que estão em ‘banho-maria’», recordou também, não abdicando de apontar ao deputado do Partido Socialista – «hoje até é membro do Governo» – que participou nas conversações para esse mais ancestral consenso.

«Acompanhou esse trabalho e contribuiu para esse resultado: um conjunto de Obras Públicas que deveriam estar já em execução até 2020, que representam [ou representavam…] um amplo consenso e estão na gaveta». Foi o Executivo do PS, no entender de Passos, que «enfiou o consenso na gaveta».

 «Portanto, quando o primeiro-ministro vem dizer que quer um acordo de princípio para além de 2020, e não consegue substanciar isso em nenhuma coisa que seja relevante, a mim parece-me que está mais a fazer discurso…».

Questionado pelo SOL na mesma ocasião se considera que o consenso é impossível para as reformas que o PSD quer fazer (as ‘estruturais’), o social-democrata alinha o compasso. «Não é isso que eu estou a dizer. O que eu estou a dizer é que isto [as Obras Públicas] não são ‘reformas’». E depois nova memória. «Todas as reformas que nós temos dito que são importantes fazer – reforma ao nível da Segurança Social, a reforma do Estado, uma reforma tributária para adiante, reformas importantes ao nível da Justiça, que nós não conseguimos fazer toda, por exemplo – o Governo tem dito que não». E depois de ver a liderança parlamentar descartar a seriedade do convite, o presidente do PSD até concedeu: «Um consenso sobre grandes Obras Públicas no futuro? O PSD não diz que não liminarmente», e alguns repórteres arregalaram. «Simplesmente não vemos que haja uma definição adequada do que o Governo quer para futuro», lamentou, no preciosismo seu característico e que perdura pelo fim-de-semana. Nem a apresentar candidatos, Passos cai em generalizações. «Ninguém faz tudo bem, nem tudo mal», ouve-se em formatos variados nos vários comícios, tanto sobre a governação autárquica quanto sobre a nacional. Tem alergia ao maniqueísmo interno das campanhas eleitorais.
«É o tal realismo que não despe», justifica um próximo, longe das primeiras filas, mas experiente nestas andanças. 
«Nós temos um consenso já garantido naquilo que são obras prioritárias e esse consenso está na gaveta», criticou e com exemplos.

«Aqui onde estamos, em Penafiel, que precisa há muitos anos de realizar o chamado IC35 – uma obra que permite fazer uma ligação adequada entre Penafiel e Santa Maria da Feira e que simplificaria a vida económica a vários municípios – nós deixámos também acordado com o Partido Socialista todo o desenho da obra. E dois anos depois ela está por fazer», acusou Passos, garantindo que o PSD deixou «tudo preparado para que a obra pudesse avançar, tal como o aeroporto complementar da Portela» e que «dois anos depois, também está tudo por fazer». Por isso, insiste: «Quando o primeiro-ministro me vem dizer que quer um acordo e que se vincula até a uma decisão de dois ou três para todas as grandes obras a partir de 2020, mas nem sequer faz aquelas que já estavam previstas com o acordo do Partido Socialista, há aqui qualquer coisa…».

Para fechar, disse: «Se o Governo quer tomar decisões para além de 2020 e quer ouvir o PSD, eu acho isso correto – nós fizemos isso quanto estivemos no Governo; não fizemos este plano de infraestruturas nem o Portugal 20/20 sem consultar o Partido Socialista – mas não me pareceu ter sido isso a extrair-se da entrevista do primeiro-ministro…». A conversa, para a próxima década, já começou em Bruxelas. Por cá, ainda não se começaram os dez anos correntes. 
A dormida, nessa noite, foi em Braga. Passos não faz sala no lounge do hotel e desperta cedo, com a leitura dos jornais no tablet. Há política para se fazer. E quer ser ele a fazê-la.