No limite, disse o ministro da Defesa, pode não ter havido nenhum roubo em Tancos. Ao ouvir a extraordinária sentença de Azeredo Lopes, houve uma pessoa que atingiu o seu limite: o chefe de Estado e comandante supremo das Forças Armadas, Marcelo Rebelo de Sousa.
As relações entre o Presidente e o ministro da Defesa são más, pelo menos, desde a morte de instruendos nos Comandos, em que o comportamento do ministro em alguns momentos da tragédia irritou o Presidente. Agravaram-se com o roubo de armamento em que Marcelo teve que obrigar o ministro da Defesa a acompanhá-lo a uma visita ao Polígono Militar de Tancos – Azeredo ia visitar em conjunto com o primeiro-ministro em exercício, Augusto Santos Silva, as instalações dos serviços de segurança em Lisboa, mas foi intimado a mudar de rota.
Agora, a propagação pelo ministro da Defesa da ideia de que o roubo pode nem sequer ter existido – depois de ter sido confirmado pelo Exército e estar a ser investigado pelo Ministério Público – fez a temperatura subir no Palácio de Belém.
«O Presidente já nem pode ver o ministro à frente», diz ao SOL fonte de Belém, evidentemente sob anonimato para evitar tornar-se fonte oficial e não oficiosa. Porque a questão é que, para já, Marcelo não pode fazer nada. Está à espera da substituição de Azeredo Lopes na remodelação governamental que deve acontecer a seguir à aprovação do Orçamento do Estado. Até lá, é «aguentar», como diz a mesma fonte.
Se todo o Governo beneficia de dupla confiança – o Presidente nomeia sob proposta do primeiro-ministro, nos termos da Constituição –, o caso do ministro da Defesa é especial, tendo em conta o papel que o Presidente, enquanto comandante supremo das Forças Armadas, desempenha. E o comandante supremo já não concorda que o seu ministro da Defesa seja Azeredo Lopes, sabe o SOL.
Há precedentes de um Presidente da República obrigar à demissão – ou não deixar nomear – um ministro. Jorge Sampaio obrigou à demissão do ministro Armando Vara, numa declaração pública. Mário Soares não aceitou Fernando Nogueira como vice-primeiro-ministro, tal como Cavaco Silva então lhe propôs.
A declaração inusitada do ministro da Defesa aconteceu poucos dias depois do Presidente da República ter voltado a Tancos – dois meses depois da primeira visita acontecida na sequência do roubo –, onde, solenemente, pediu celeridade no apuramento dos factos. «Estou atento, acompanho o que se passa e preocupa-me o tempo», disse Marcelo a 3 de setembro. O Presidente fez um apelo a que as responsabilidades venham a ser apuradas «num tempo que seja o mais curto possível», fundamental «para o prestígio das instituições militares».
Chefes militares na ‘lista’
Já depois do ministro da Defesa ter admitido que «no limite pode não ter havido roubo», Marcelo Rebelo voltou, na segunda-feira passada, a exigir que a investigação seja rápida: «Espero que haja, o mais cedo possível, com a celeridade possível, porque o tempo é importante para o prestígio da instituição militar e para o próprio funcionamento dos mecanismos internos, que haja apuramento dos factos e responsabilidades nessa matéria». A saída do ministro da Defesa da pasta deverá ser concertada entre Presidente da República e primeiro-ministro com duas outras saídas: a do Chefe de Estado-Maior do Exército e a do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.
Ao que o SOL apurou, o primeiro-ministro quer afastar estes dois comandantes de topo, mas quem tem competência para o fazer é o Presidente da República. E o Presidente da República não o deverá fazer sem ter a certeza que o ministro sai com eles.