No primeiro debate quinzenal depois das eleições autárquicas e o último até à apresentação do Orçamento de Estado de 2018, o primeiro-ministro, António Costa, aproveitou para anunciar que o Conselho de Ministros tinha aprovado “uma nova geração de políticas de habitação”, um dos temas que mais marcaram as autárquicas.
O pacote de medidas pretende, nos próximos oito anos, “reduzir a taxa de esforço das famílias com as despesas de habitação de 35 para 27%” e aumentar o peso da habitação com apoio público de 2 para 5%. Hugo Soares, o recém líder da bancada parlamentar do PSD e um dos nomes referidos para suceder a Passos Coelho, acusou o primeiro-ministro de ter "rasgado a estratégia nacional" para a habitação de 2015, e que, na sua perspetiva, resultou no aumento das rendas.
Costa recusou e respondeu que “4803 milhões de euros” foram alocados para a habitação. A líder do CDS-PP, Assunção Cristas, provocou o primeiro-ministro para saber se o governo estaria disposto a aceitar as suas propostas, que têm estado “um passo à frente do executivo”. Para Costa, Cristas “está um passo à frente porque foi a autora do regime de arrendamento que trouxe a confusão no mercado” e "ainda bem que foi eleita, porque poderá ajudar a completar o meu trabalho", não referindo se era algo favorável ou não às famílias lisboetas. Cristas rematou que fá-lo-à "com muito gosto, porque o PS perdeu a maioria, para o qual contribuí".
Heloísa Apolónia, d’Os Verdes, defendeu que o Estado deve “pegar nas casas devolutas e colocá-las ao dispor” do arrendamento e questionou Costa sobre o que considera serem “rendas acessíveis”, tendo “em conta que a média em Lisboa é de 1460 euros”. Costa disse que a regra seria fixar, com base nos preços de referência, as rendas 20% abaixo desse valor.
Na última intervenção das bancadas partidárias no debate, Carlos César, líder da bancada socialista, congratulou-se com os resultados eleitorais de domingo, afirmando que "conferiram ao PS uma impressionante vitória com mais votos, mais percentagens, mais presidências e mais mandatos". "Foi o melhor resultado de sempre do PS", realçou para depois referir que "teve mais votos que toda a direita". César continuou a rematar contra a oposição de direita. "O PSD teve o seu pior resultado de sempre. Aliás, a intervenção do líder parlamentar explica muitas das razões que deram lugar a essa votação deprimente do PSD no país", concluindo que "eles não aprenderam nada; eles não esqueceram nada".
A deixa de César parece ter sido combinada com António Costa para que este passasse ao ataque novamente. "A oposição nada aprendeu nem nada esqueceu. Já mudaram de líder parlamentar, parece que agora estão para mudar de líder partidário. Mas o que não muda é o seu pensamento e o seu discurso e continuam lá, presos no passado", rematou. Costa relembrou ainda que as eleições autárquicas vieram demonstrar que "hoje há mais confiança nesta Assembleia da República de gerar soluções plurais colocando no espaço da governação todos os partidos", rompendo com o tão apelidado "arco da governação" e com a ideia de "haver portugueses de primeira e de segunda".
Orçamento de Estado
O Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português focaram-se no próximo Orçamento de Estado. Catarina Martins, coordenadora do BE, defendeu que "recuperar rendimentos e salários é o que faz recuperar a economia". Foi o ponto de entrada para as exigências ao executivo do PS: a descida do IRS e uma maior progressividade nos impostos, para além do descongelamento e aumento das pensões, insistindo num aumento extraordinário em 2018. E questionou António Costa: "O fim do fator de sustentabilidade estará no próximo OE?".
Com uma pose de conciliador, António Costa respondeu a Catarina Martins que ambos "concordavam no essencial" e que a posição de rendimentos prosseguirá em 2018 com o aumento do salário mínimo nacional, descongelamento das carreiras da função pública, alteração dos escalões do IRS e aumento de pensões. Ignorou a pergunta e remeteu quaisquer questões para a próxima semana, quando concluirão "a análise conjunta do OE". As faturas energéticas e as rendas abusivas do setor têm sido uma das bandeiras do partido, e Martins aproveitou para recolocar essa questão no debate político, defendendo que a redução das facturas energéticas é "uma medida que permite aumentar rendimentos de pessoas e empresas". "O governo vai ou não, no âmbito do CMEC, permitir baixa ou não a factura enérgita?", questionou. Costa respondeu apenas que a redução será "seguramente" feita, sem dar mais pormenores de quando.
Por seu lado, Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, relembrou que os últimos dois anos provaram que "se há recuperação da economia, é inseparável da reposição de salários e direitos", mas que a situação do país "continua profundamente marcada pelas políticas de direita", onde se incluem os constrangimentos externos – um referência à União Europeia – e a submissão aos défices estruturais. O líder comunista focou-se nas alterações laborais e relembrou que o governo e o PS recusaram sucessivamente alterações ao código laboral, um legado dos anos do governo do PSD-CDS e da troika, como provam os "ataques aos salários, a precariedade, casos como o da PT-Altice, a carga e desregulação horária". "Sem a luta dos trabalhadores não há direitos que possam ser defendidos", alertou, para depois questionar: "Qual é a opção que o governo vai fazer sobre a revogação das normas gravosas da legislação laboral?".
Com um ar tranquilo e conciliador, António Costa concordou que se fez uma reversão em algumas questões laborais, mas que a "inversão tem que ter continuidade", dando como exemplos o combate à precariedade, que caraterizou como "um combate essencial e central". Costa não referiu qualquer alteração ao código do trabalho, uma medida que o PCP considera fundamental.
A intervenção de Assunção Cristas sobre o Orçamento de Estado focou-se sobre se haverá ou não uma subida de impostos, directos e indirectos, em 2018, tendo questionado o primeiro-ministro sobre isso. Costa respondeu-lhe que "para a semana começará a discussão do OE do qual seguramente dirá mal", garantindo ainda que "não haverá aumento do IRS sobre rendimentos do trabalho", acusando ainda Cristas de ter defendido o aumento do IRS. Ainda assim, o primeiro-ministro não respondeu nada em relação aos restantes impostos. Cristas, porém, pediu a defesa da honra para responder: "Eu não disse que defendia sequer um aumento do IRS", disse. "O senhor pode fazer política, não pode dizer [uma] mentira".