Arranjou forças para mobilizar familiares das vítimas do incêndio de Pedrógão Grande. A dor é enorme, mas move-a a necessidade de justiça e de recuperação do direito e dever de autodefesa das populações esquecidas do interior, que escolheu para casa há mais de uma década. Aos 39 anos, Nádia Piazza lidera a Associação de Apoio às Vítimas de Pedrógão Grande. No fogo de 17 de junho perdeu o filho de cinco anos, o ex-marido, a sogra, e diz que hoje, na associação, todos os que sofreram o golpe da tragédia são também como família, com uma missão. Aguarda com expetativa o relatório da comissão de peritos nomeada pelo parlamento, que amanhã será entregue em São Bento. Começa a chegar a hora da justiça, mas também de agirem eles, a comunidade. A hora de tornar a sociedade civil menos passiva, com direito a defender-se.
No próximo sábado, a associação organiza o primeiro encontro em Pedrógão Grande, sobre autoproteção e resiliência das populações. O que vos fez avançar para esta iniciativa?
O óbvio. Mas isto não foi uma coisa que surgiu só com a tragédia. Esta tragédia fez-nos mover, mas era algo latente naquela que é a massa crítica da região.
A perceção de perigo?
Sim. Os meus olhos estão menos habituados a esta paisagem, mas nos 16 anos que vivo em Portugal e nos dez anos que vivo nesta região, no interior, fui-me apercebendo disso.
A Nádia é brasileira.
Sim. Nasci no Brasil, mas a minha ascendência é toda italiana. Mas quando cheguei cá, mesmo há dez ou 15 anos, a paisagem não era assim. A eucaliptização foi uma coisa brutal. Então se recuar 20 ou 30 anos, nada disto existia. De todo. Mas só posso falar do que vi, e quando cheguei havia mais aceiros, os eucaliptos não eram este contínuo que vemos hoje. Agora parecem cabelos, até dançam com o vento.
Alguma vez tinham tido algum susto?
Não. Apesar de haver incêndios todos os anos, nunca tínhamos sentido o fogo próximo de nós. Durante seis anos morámos numa aldeia aqui em Pedrógão, na Salaborda Nova. Há uns anos houve um incêndio na encosta e a nossa casa tinha uma vista grande para o fogo. Era uma coisa pequena, mas impressionante. Os bombeiros estiveram lá e um carro dos bombeiros ficou estacionado à frente de nossa casa durante o rescaldo. De madrugada levámos-lhes café, comida. Havia uma sensação de segurança. Nunca tínhamos sentido o fogo descontrolado… o que aconteceu foi um choque. Agora, se começarmos a olhar para as estatísticas, vemos que há um crescendo destas situações. Houve mortes em 1983, em 1986, em 2003, em 2005. Há um crescendo e isto tem de ter uma explicação.
Que explicação encontra?
O abandono do interior. O Estado abandonou as regiões, com o Estado vão as empresas e com as empresas vão as pessoas.
É isso que vão discutir no encontro no sábado?
Sim, começa com este ponto de partida sobre o abandono do interior, com o facto de haver políticas florestais umas atrás das outras e de ninguém se entender. Com o haver administrações públicas e locais que levam anos para aprovar planos, e os municípios, nestas matérias, também acabam por se sentir reféns. Eu trabalho num município e sei de cadeira como são as coisas: os meses, anos que demora a aprovar um documento.
Qual é o estado de espírito das pessoas que representa na associação? Sentem-se desamparadas?
Desamparados estivemos sempre. Estivemos antes, durante, depois. Acho que agora estamos mais lúcidos desse desamparo.
Leia a entrevista a Nádia Piazza na edição do i de amanhã.