Estados Unidos e Israel cumpriram esta quinta-feira as ameaças que há anos iam lançando à agência cultural das Nações Unidas e anunciaram – primeiro os americanos e, pouco depois, os israelitas – que vão sair da UNESCO até ao fim do próximo ano, respondendo ao que dizem ser o seu “ânimo anti-israelita”.
“Esta decisão não foi tomada de ânimo leve”, anunciou o Departamento de Estado americano, o mesmo que por estes dias parece preparar algum tipo de retirada do acordo nuclear iraniano e, tendo em conta o andar das negociações, pode em breve ver-se confrontado com um abandono do acordo de livre-comércio Nafta.
“Ela reflete as preocupações com os atrasos cada vez maiores na UNESCO, a necessidade de uma reforma fundamental na organização e o seu contínuo ânimo anti-israelita”, prosseguiu Washington.
Horas depois, Israel encarnou o papel do país mais criticado pela agência e anunciou quase o mesmo dos aliados americanos: também sairá até ao dia 31 de dezembro de 2018.
O divórcio, a acontecer, não será realmente drástico. Estados Unidos e Israel têm já há anos apenas um contacto mínimo com a organização cultural da ONU. Washington parou por inteiro o envio de dinheiro em 2011, quando a agência aceitou a Autoridade Palestiniana como membro de pleno direito.
Nesse momento, sim, ocorreu um duro golpe à UNESCO, que perdeu cerca de 80 milhões de dólares e 25% das receitas anuais – supostamente os EUA têm uma dívida de 500 milhões de dólares. Israel, por sua vez, cortou contactos com a agência no ano passado, respondendo a um relatório que designava o local mais sagrado em Jerusalém como o “Pátio das Mesquitas”, utilizando apenas o termo em árabe e ignorando as reclamações do governo judeu, que considera uma força ocupadora dos territórios palestinianos: afirma-o repetidamente em queixas contra a presença israelita na Cisjordânia, à sua construção de colonatos e manobras em Jerusalém.
Eleições e críticas
Os EUA, no entanto, mantiveram um gabinete nas centrais de Paris e prosseguiram com muitas contribuições técnicas – Barack Obama não viu escapatória: o Congresso impediu-o de rever leis de defesa ao Estado de Israel que o forçavam a abandonar a organização.
Já o governo de Donald Trump deseja cortar ao máximo nas instituições internacionais que considera impertinentes na sua política de América First e, assegura, apenas gastam dinheiro americano. O “El País” citava quinta-feira António Guterres, o secretário-geral da ONU, dizendo que este “lamentou profundamente” a decisão do governo americano.
Já a dirigente da UNESCO, Irina Bokova, que em breve conhecerá um sucessor, defendeu que o “universalismo fundamental” da instituição fica em risco.
“Num momento em que a luta contra o extremismo violento requere investimentos renovados na educação, no diálogo entre as culturas para prevenir o ódio, é profundamente lamentável que os EUA se retirem da agência das Nações Unidas que lidera nestas questões.”
A saída americana da UNESCO saltou à atenção no momento em que o presidente francês, Emmanuel Macron, tentou mobilizar o apoio de Rex Tillerson para a sua candidata a liderar o órgão, mas ouviu do secretário de Estado dos EUA que o país estava já com um pé de fora.
As eleições para substituir Bokova, recentemente no centro de suspeitas de que recebeu apoios indevidos do governo do Azerbaijão, terminam esta sexta.
De um campo de três favoritos, quem lidera a corrida é o candidato do Qatar, Hamad bin Abdulaziz al-Kawari, embrenhado por estes dias em guerra aberta com o rival egípcio. Um símbolo, como escreve John Irish na Reuters, da “geopolítica fraturante que paralisa o funcionamento” da agência.