Maria Lúcia Amaral, que deixou de ser vice-presidente do Tribunal Constitucional este verão, será amanhã muito provavelmente votada na Assembleia da República como nova provedora da Justiça. A votação, que requer uma maioria de 2/3, incorre no acordo de início de legislatura entre o Partido Socialista e o PSD para que o PS escolhesse o presidente do Conselho Económico e Social (o CES), como já aconteceu, e os sociais-democratas escolhessem o provedor de Justiça para suceder a José de Faria Costa, professor de Direito na Universidade de Coimbra.
Apesar de o nome escolhido pelo PSD apresentar alguns anti-corpos na bancada ‘laranja’ (a escolha foi coordenada entre o presidente do partido, Pedro Passos Coelho, a sua comissão política nacional e o líder do grupo parlamentar, Hugo Soares), o i sabe que o nome de Maria Lúcia Amaral será mesmo apresentado pelo PSD e votado pelo PS e pelo PSD, cumprindo o acordo entre ambos, juntamente com o CDS.
O Bloco de Esquerda votará contra a nomeação de Maria Lúcia Amaral, embora ainda não o tenha comentado publicamente. E o PCP, contactado pelo i, optou por não comentar, mas também deverá estar contra o nome do temporariamente renovado ‘Bloco Central’. Os anticorpos que aí todavia se verificam, no PSD e no PS, poderão transparecer na votação, que é secreta, e têm motivo.
Maria Lúcia Amaral já defendeu, enquanto jurista, que o Estado não deveria pagar indemnizações a vítimas de infortúnio.
O caso é já antigo, remontando ao tempo em que António Costa era ministro de Justiça e requereu um parecer. O governo chefiado por António Guterres pretendia saber o papel do Estado nas indemnizações às famílias do caso Aquaparque. A indemnização seria mais tarde paga, em julho de 2002, dois meses após António Costa deixar a pasta da Justiça.
O parecer dado por Maria Lúcia Amaral, que amanhã será aprovada como futura provedora de Justiça, foi publicado numa revista académica. “O texto que se segue não foi inicialmente escrito para ser publicado como artigo de revista. Resultou antes de uma opinião que me pediu o senhor ministro da Justiça a propósito de um caso concreto – o chamado caso Aquaparque do Restelo”, diz a introdução redigida por Amaral. Nas conclusões, pode ler-se que “não se encontram em direito português quaisquer fundamentos que permitam concluir pela existência, neste caso, de um dever do Estado ao ressarcimento do agudo sofrimento dos privados”.
“Tais fundamentos não resultam, com efeito, dos princípios gerais de direito que orientam a chamada responsabilidade por atos lícitos do Estado; não resultam igualmente dos outros princípios que ordenam o sistema da chamada responsabilidade pela prática de atos ilícitos do Estado; não decorrem da leitura adequada da norma contida no artigo 22 da Constituição da República Portuguesa”, escreveu Maria Lúcia Amaral, que o PSD propõe hoje ao parlamento para ser provedora.
Sobre o facto de Amaral ter defendido que não cabia ao Estado pagar indemnizações, especialistas ouvidos pelo i divergem. Um deles considera que “o parecer de Maria Lúcia Amaral é sobre o que a lei dizia e não sobre o que a lei deve prever neste caso específico” e “é precisamente porque a lei não permite este mecanismo de indemnização que o PSD fez uma proposta de lei nesse sentido [depois de Pedrógão], como aconteceu em Entre-os-rios e na Casa Pia”. Outro discorda: “Enquanto que no caso Aquaparque estávamos na ausência de um quadro legislativo claro, no caso de Pedrógão estamos num caso de omissão da ação administrativa, na medida em que o dever de vigilância compete ao Estado. A lei da responsabilidade civil acomoda mas não é nela que radica o princípio de que estes danos devem ser indemnizáveis. É na Constituição. O que faz com que a leitura de um caso [Aquaparque] seja conexa ao outro [Pedrógão].