Mário Centeno, na segunda-feira passada, levou as mãos à cabeça. O ministro das Finanças estava com os seus pares na reunião de coordenação do Governo, realizada no dia seguinte aos incêndios que provocaram 44 mortos. E desabafou com os outros membros do núcleo duro: a tragédia de domingo iria rebentar com o seu querido défice, o melhor dos últimos anos – 1,5% em 2017, 1% em 2018.
Se o primeiro pensamento do ministro das Finanças foi para os números – e menos para as pessoas – a intervenção do Presidente da República fez todos os sinos do Governo tocarem a rebate. Ainda que neste capítulo do défice o Presidente tenha tido a frase mais cautelosa do seu discurso explosivo: Marcelo pediu que «se houver margens orçamentais, que se dê prioridade à floresta».
Mas haverá margens orçamentais. O Conselho de Ministros extraordinário vai ‘remodelar’ o Orçamento do Estado de maneira a incluir mais dinheiro naquela que o Presidente da República quer ver convertida em prioridade nacional – a floresta e a segurança dos cidadãos do interior.
Bruxelas já deu uma ajuda imediata quando, através do comissário europeu responsável pelos Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, afirmou que deveria existir um tratamento excecional sobre as exigências em relação ao défice tendo em conta os incêndios. «Parece-me natural que, da mesma maneira que nós considerámos as ameaças terroristas, os sismos, como circunstância excecional, em certos países da União Europeia, que haja uma abordagem inteligente e humana e relação à despesa pública, que seja assumida pelas autoridades portuguesas, para enfrentar os incêndios», disse o comissário dos Assuntos Económicos.
Para Moscovici, toda as despesas usadas para enfrentar os fogos devem ser «reconhecidas como circunstância excecional, no âmbito do exame orçamental».
Moscovici foi mais longe. Assumiu que, tendo em conta o que se passou em Portugal, Bruxelas deve reexaminar uma velha proposta de Michel Barnier para a criação de uma «força europeia de proteção civil». O comissário defende que «os instrumentos de política pública e de política comum possam ser ainda mais fortes».
Bruxelas está mesmo disponível para ajudar. O primeiro-ministro anunciou ontem que o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, prometeu «agilizar» e «evitar a carga burocrática» relativamente às ajudas europeias. Segundo Costa, Juncker também vai fazer «um estudo aprofundado sobre os problemas estruturais da floresta portuguesa». O comissário português Carlos Moedas, por sua vez, também informou que todos os comissários estiveram de acordo para, dentro de um mês, colocar em cima da mesa da Comissão Europeia uma proposta sobre aquela que será a futura Proteção Civil europeia – uma nova estrutura que possa ser chamada para qualquer país numa situação como aquela que esteve Portugal no domingo e tenha capacidade de «atuar rapidamente».
PCP questiona redução do défice «a mata-cavalos»
No debate no parlamento na quarta-feira, António Costa já tinha admitido que «não será, seguramente, o nosso empenho na consolidação orçamental que frustrará aquilo que é absolutamente prioritário, que é reforçar a prevenção estrutural, conjuntural e operacional da nossa floresta». Os comunistas não gostaram de ouvir. O secretário-geral tinha acabado de perguntar se era possível ultrapassar o défice tendo em conta a emergência nacional. Em entrevista à Antena 1, Jerónimo criticou a vontade do Governo em fazer descer o défice «a mata-cavalos» [sic]. E insistiu que o Governo quis ir «mais longe do que os critérios que eram impostos pela União Europeia» e que bastaria aumentar o défice em 0,2% – 400 milhões de euros – para conseguir «dar uma resposta fundamental em termos de financiamento à questão dos incêndios».
Também a líder do Bloco de Esquerda disse que Portugal não pode ficar à espera do Orçamento do Estado para 2018 para acudir à emergência.
O Conselho de Ministros extraordinário deverá aprovar a maioria das recomendações da comissão independente criada na Assembleia da República, tal como já o primeiro-ministro tinha anunciado. Entre essas recomendações estão a transformação da Escola Nacional de Bombeiros «numa escola profissional integrada no sistema educativo nacional, transformando-se numa escola profissional e orientando a sua ação prioritariamente para perfis profissionais acreditados», ou seja, depender menos do voluntarismo dos bombeiros e profissionalizar o combate aos fogos. Deverá avançar-se também para uma «alteração profunda dos princípios do Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, passando-se da atual Defesa da Floresta Contra Incêndios (DFCI) para a Defesa Contra Incêndios Rurais (DCIR), que deverá assentar num conceito mais abrangente, assente na realidade e de aplicação urgente», entre outras medidas.
Eduardo Cabrita já terá assendo na reunião como novo ministro da Administração Interna – toma posse hoje às 9h30 da manhã, antes do Conselho de Ministros, em conjunto com o seu substituto no cargo de ministro adjunto, o advogado Pedro Siza Vieira, e os novos secretários de Estado.
Jorge Gomes sai
Quem não será reconduzido como secretário de Estado da Administração Interna será Jorge Gomes, o homem que protagonizou um dos momentos mais incómodos da gestão governativa do incêndio de domingo, quando sugeriu que os cidadãos teriam que «autoproteger-se». «Têm de ser as próprias comunidades a ser proativas e não ficarmos todos à espera que apareçam os nossos bombeiros e aviões para nos resolver os problemas. Temos de nos autoproteger, isso é fundamental», disse no domingo Jorge Gomes, que vai agora ocupar o lugar de deputado eleito por Bragança. Isabel Oneto passa a secretária de Estado adjunta e da Administração Interna e é criado o cargo de secretário de Estado da Proteção Civil, que será José Artur Tavares Neves. Carlos Miguel continua secretário de Estado das Autarquias Locais e Catarina Marcelino será substituída no cargo de secretária de Estado para a Igualdade por Rosa Monteiro.