O setor dos media está em mudança de paradigma e a compra da Media Capital pela Altice é vista na dinâmica de estratégia global de convergência entre as empresas de distribuição e de produção de conteúdos.
«As telecomunicações, os media e a publicidade estão interligados e os grupos de comunicações fazem grandes investimentos (…) e há um enorme mercado de conteúdos e publicidade que tem sido explorado por grandes grupos, que de facto fazem muito dinheiro com base em investimentos que estas fizeram», explica ao SOL uma fonte do setor, para quem «faz sentido» para estas empresas «expandir para além das telecomunicações e explorar esse mercado de conteúdos e publicidade».
Este é um tipo de negócio que vai permitir beneficiar da evolução da digital advertising, o modelo de receitas para o qual está a evoluir o setor, mas que neste momento é dominado pelas gigantes de tecnologia como o Facebook e a Google.
Na perspetiva dos operadores que querem também ser produtores de conteúdos, o objetivo é conseguir uma «percentagem justa deste mercado» e é nesta dinâmica, que segundo fontes ligadas à indústria, está a aquisição da Media Capital dona da TVI, pela Altice, dona da MEO.
Do ponto de vista da Altice «faz sentido expandir para além das telecomunicações e explorar esse mercado de conteúdos e publicidade» uma vez que «o segmento de maior crescimento nos media é a publicidade digital». Daí que, sintetiza ao SOL, «um operador de comunicações que tem grandes relações com os consumidores, que tem uma presença online e a capacidade de produzir conteúdo pode crescer no segmento digital» e a compra da Media Capital «é a melhor forma de o fazer».
De acordo com fontes ligadas ao processo, o objetivo da Altice «é construir uma estratégia digital e a compra da Media Capital é uma dessas componentes». Isto porque hoje em dia as receitas das empresas deste setor vêm da emissão dos canais de televisão de forma linear – blocos de publicidade para cada programa, com os seus time slot.
«Mas o que é que acontece quando alguém não quer ver determinado programa a determinada hora?» questiona a mesma fonte, que lembra que «o comportamento do consumidor está a mudar». Daí que a Altice considere essencial que estes negócios «se ajustem à forma como os consumidores vêm o conteúdo».
Para isso é preciso investir, criar aplicações para que se alguém não quiser ver um determinado programa a determinada hora tornar este programa on demand. Para isso é preciso tecnologia, investimentos em infraestrutura e acima de tudo pensar que o modelo de digital de publicidade é vital.
Para além desta ambição digital, com a compra da Media Capital, caso esta avance, a Altice revela mais dois objetivos estratégicos: disponibilizar a TVI 24 para a Televisão Digital Terrestre (TDT) e a internacionalização de conteúdos produzidos pela Plural, detida pela Media Capital.
A primeira poderá avançar quando o Governo abrir o concurso para a entrada de dois novos canais privados na TDT, anunciado em 2016 mas ainda por concretizar. A internacionalização dos conteúdos produzidos pela Plural, detida pela Media Capital passa pela exportação de conteúdos para mercados como França e Suíça, que têm uma grande comunidade de portugueses e também pela produção de conteúdos partir dos estúdios da Plural para vender para outros mercados. «A Plural tem infraestruturas em Portugal que não usa e queremos usar essa capacidade para produzir conteúdos aqui em Portugal para outros mercados, como por exemplo França. EUA, República Dominicana ou Israel», dizem as mesmas fontes ligadas ao negócio ao SOL. «Seria por exemplo conteúdo francês produzido aqui em Portugal (…) quando pensamos em conteúdo global, queremos usar Portugal como um centro», resume.
Para além disso, o objetivo é «que a TVI continue a fazer o que a TVI tem feito no passado: canais free to air, programação de qualidade para a maior audiência possível» e ainda «vender conteúdos a preço de mercado, tal como a Media Capital fez no passado».
As mesmas fontes garantem que nada muda. «O que queremos é usar o modelo existente e torná-lo melhor. E nessa base o negócio já é interessante para nós», afiança.
Decisão da regulação
Para já o negócio, orçamentado em 440 milhões de euros está a ser avaliada pela Autoridade da Concorrência (AdC) depois de a Entidade Reguladora para a Comunicação (ERC) não ter chegado a um consenso. Antes o negócio já tinha sido chumbado pela Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) ao considerar que a operação ameaça a concorrência.
Várias vozes da concorrência da Altice já se pronunciaram contra o negócio, afirmando mesmo que a Assembleia da República deve travar o negócio. «A partir do momento em que politizam as coisas estas tornam-se arbitrárias e afastamo-nos dos factos, tornamo-los sujeitos a relações e dependências. Pensamos que isso seria uma pena para Portugal, em especial se tivermos em atenção a história», resume ao SOL uma fonte ligada à indústria o atual momento do negócio.
A mesma fonte considera que «este processo é um bocadinho diferente uma vez que normalmente não se vê tanto ruído e com tantos comunicados em público de pessoas de fora do ecossistema», mas que em termos regulatórios o processo é muito semelhante ao de outros países.
Neste tipo de negócios, o objetivo de todos os players é que os reguladores sejam objetivos e tomem as suas decisões com base em factos e a expectativa que existe é que as entidades de regulação sejam profissionais.
«Não imagino por um segundo que haja uma agenda política», disse o CEO da Altice em conferência telefónica sobre sobre os resultados do grupo relativos ao terceiro trimestre. Michel Combes considera que o que existe é uma «agenda regulatória», salientando que a AdC «tem a sua agenda», pelo que terá o tempo necessário para dar a resposta à operação de compra, manifestando-se convicto que esta terá um «resultado positivo».