Pedro Passos Coelho fez o seu último discurso ao parlamento enquanto líder da oposição.
Aquando do seu anúncio de não recandidatura à liderança do PSD, já ficara patente que o ex-primeiro-ministro não deixaria de acompanhar o processo de debate e escrutínio ao Orçamento do Estado de 2018 como missão última. E assim foi: Passos subiu ao púlpito da Assembleia da República para, num longo discurso – com alguns traços distintos dos habituais -, chumbar o terceiro Orçamento do governo de António Costa.
Passos Coelho falou muito diretamente contra a solução de governo (do executivo aos partidos que o sustentam) e indiretamente até sobre o seu próprio partido e as próximas legislativas. Passos descreveu o ciclo político atual e as implicações que este, do seu ponto de vista, terá “para futuro”. O ataque ao governo foi cerrado, com uma tentativa de exposição das contradições do primeiro-ministro, mas com referências diretas a parlamentares presentes – algo menos comum nas suas intervenções. Embora a denúncia de “um plano B” e de uma “nova austeridade” baseada em “impostos indiretos”, “cativações” e “cortes cegos na despesa do Estado e no investimento público” ainda estivesse presente, outros pontos ganharam destaque. Sobre as alegadas incoerências de António Costa, perguntou Passos como é que o mesmo primeiro-ministro afirmava que o Orçamento “é chapa ganha, chapa distribui”; para depois dizer que é uma “ilusão pensar é que é possível tudo para todos”.
As críticas mergulharam mais fundo no executivo, com referências do dia, caracterizadas pelo ainda líder da oposição como “desmentidos constrangedores”.
“O último veio hoje pela boca da presidente do Infarmed”, introduziu, referindo-se ao facto de esta, em entrevista ao “Público”, ter revelado que a deslocalização da estrutura de Lisboa para Porto era “uma intenção” e não “uma decisão”. Passos, acerca dessa intenção (ou decisão), atirou que esta “não foi falada, nem tão-pouco estudada antecipadamente por ninguém, ao contrário do que haviam dito o primeiro-ministro e o ministro da Saúde”.
A meio do discurso, que Passos não teve tempo para terminar, chegou um tiro direto à coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins. “Como à pura comédia e ao ridículo pertencem, por exemplo, as afirmações da responsável do Bloco de Esquerda, a senhora deputada Catarina Martins, dizendo que a dotação orçamental da Cultura é ‘vergonhosamente baixa’. Ai é, senhora deputada? Não me diga”, ironizou Passos Coelho, em torno da afirmação da bloquista, que minutos depois votaria favoravelmente o Orçamento do Estado em que a dotação da Cultura é, para ela, “vergonhosamente baixa”.
Em resposta indireta a Pedro Nuno Santos, o secretário de Estado que dissera na véspera que o governo procuraria consensos estruturais com o PSD, Passos considerou que essa se trata de uma “ideia artificial”.
Num parágrafo que não chegou a conseguir ler, explicava porquê. “Quem pede consensos não pode ser o primeiro a negá-los, como os senhores fizeram e continuam a fazer”, acusou, tendo sido as propostas orçamentais dos sociais-democratas amplamente rejeitadas pela maioria de esquerda. “Não podem desqualificar e rejeitar quase todas as propostas dos opositores e depois convidá-los para ensaiar uma peça de teatro".
Passos, sem vontade de representar, sai agora do palco. Fica a “liderança socialista” a governar. “Mas disso”, está “convencido”, tratará “o país na oportunidade certa”. Nas urnas.