“Uma mulher que comete adultério é uma pessoa falsa, hipócrita, desonesta, desleal, fútil, imoral. Carece de probidade moral. Não surpreende que recorra ao embuste, à farsa, à mentira para esconder a sua deslealdade e isso pode passar pela imputação ao marido ou ao companheiro de maus-tratos.” Foi um acórdão de junho de 2016 do desembargador Joaquim Neto de Moura, onde surgem estas considerações, que mais pesou na decisão do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de avançar para processo disciplinar.
Fonte oficial do CSM indicou ao i que, mais do que o acórdão de outubro que gerou polémica ao minimizar um caso de violência doméstica recorrendo ao adultério, é esta decisão anterior em que o juiz da Relação do Porto anulara uma sentença também num caso de violência, descredibilizando o testemunho da mulher, que estará na base do processo disciplinar agora instaurado contra o juiz. Recorde–se que no caso de outubro, Neto de Moura e a adjunta Luísa Arantes mantiveram a decisão da primeira instância. Na sequência da polémica, que motivou petições, uma delas com mais de 30 mil assinaturas, foram tornados públicos outros acórdãos do mesmo juiz, entre os quais este de junho de 2016, que antes não tinha chegado ao conhecimento do Conselho Superior da Magistratura. A plataforma Capazes, das principais dinamizadoras do protesto contra esta decisão, tornou público o documento a 23 de outubro, revelando que não era a primeira vez que o juiz se pronunciava sobre o adultério numa decisão, recorrendo também à Bíblia para o censurar.
Ainda assim, os processos do CSM não se pronunciam sobre as decisões em si mas sobre a forma como são expostas, sobre as questões de linguagem, salientou ao i fonte oficial. A decisão de avançar para processo disciplinar contra os dois juízes responsáveis pelo acórdão de outubro foi tomada ontem em conselho plenário, mas os indícios que recaem sobre Neto de Moura e Luísa Arantes são de natureza distinta.
Neto de Moura, que considerou que as suas palavras foram deturpadas intencionalmente, será alvo de um processo disciplinar “por violação dos deveres funcionais de correção e de prossecução do interesse público, este na vertente de atuar no sentido de criar no público a confiança em que a Justiça repousa”, decisão com 12 votos a favor e cinco contra. Já Luísa Arantes, que chegou a assumir não ter lido o acórdão integralmente antes de o assinar, será alvo de um processo disciplinar por violação do dever de zelo, decisão com nove votos a favor e oito contra.
De acordo com o estatuto dos magistrados, a fase de instrução do processo disciplinar dura no máximo 30 dias. Os magistrados podem ser preventivamente suspensos desde que haja fortes indícios de que a infração será punida, pelo menos, com a transferência de serviço ou se a continuação em funções for prejudicial ao processo, ao serviço ou ao prestígio e dignidade da função. Ontem, a decisão de suspender Neto de Moura ou Luísa Arantes não tinha sido tomada. Concluída a instrução, o juiz do Supremo que for nomeado instrutor destes casos deduz uma acusação ou pode declarar extinto o processo. Se for avante, haverá ainda uma fase de defesa, em que os magistrados podem também apresentar testemunhas. As penas podem ir de advertência a demissão.