Foi a última aparição enquanto tal no recinto da Assembleia da República. No jantar de natal do grupo parlamentar do PSD, os deputados sociais-democratas despediram-se do ainda líder, Pedro Passos Coelho. Em jeito de surpresa ao ex-primeiro-ministro, cada parlamentar deixou uma palavra gravada em vídeo para descrever Passos. Estadista, determinado, corajoso, resistente e firme foram os adjetivos mais repetidos, o que mereceu comentário algo irónico de um seu próximo presente: «Para quem dizia que a comunicação funcionava mal, é curioso que cada um disse o que quis e muitos disseram o mesmo». Passos é Passos, e isso ficou bem patente, tanto na ação quanto no adeus.
Em jeito de tributo inconsciente ao caso da semana (a Raríssimas e o ministro Vieira da Silva, que seriam depois falados), jantaram-se gambas: folhado de camarão à entrada, o tradicional bacalhau a prato principal. Os discursos foram antes da refeição.
Além dos testemunhos individuais dos deputados, Hugo Soares (atual líder parlamentar) e Luís Montenegro (que foi presidente da bancada durante quase todo o consulado passista) serviram de narradores, num formato que reproduz a sua repartição bicéfala de protagonismo.
«Foram anos importantes, anos intensos», começou por admitir Passos Coelho. «Está quase a fazer oito anos que sou presidente do PSD e isso é realmente imenso tempo», admitiu, como introdução a um desabafo. «A decisão que anunciei há não muito parece-me cada vez mais acertada», sorriu, sobre o facto de ter anunciado no princípio de outubro, depois de derrota eleitoral autárquica, que não seria recandidato à liderança do partido – algo tomado quase como garantido pelos seus fiéis, devido ao facto de não ter sido derrotado em legislativas. «Há uma altura para tudo e o caminho que percorremos em conjunto fecha um ciclo e abrirá outro ciclo que tenho a certeza terá o país no centro da sua atenção». E falando em ciclos, Passos Coelho deixou claro que o «PSD não serve apenas para quando há resgates ou quando tudo corre demasiado mal».
Mas até na sua despedida Passos deixou críticas e fez um balanço. O exercício da política, disse, deve estar tão longe daqueles «que vivem na vertigem do imediatismo», dos que pretendem somente tirar partido da conjuntura, como o Governo, quanto também distante daqueles que caem numa «visão burocrática, de esperar que o tempo passe, de picar o ponto para justificar a existência». Passos, que não quis ser nem o imediatista nem o tecnocrata, sai.
Em 2018, como o SOL noticiou logo na sua saída, publicará um livro de memórias como chefe do Executivo entre 2011 e 2015, e é ao manuscrito que se tem dedicado, concedendo o espaço mediático aos candidatos à sua sucessão. A autobiografia de Passos sobre o tempo da crise coincidirá com o segundo volume das memórias presidenciais de Cavaco Silva, portanto, sobre o mesmo tempo.
«Precisamos de aproveitar as oportunidades que a vida nos traz», continuou, persistindo no reconhecimento que o ciclo para si já não é o corrente. «Só é possível fazê-lo verdadeiramente quando olhamos para o futuro. É o futuro que faz de nós o que somos», disse, dando a entender que esta saída não encerra o seu.
Sobre o tempo em que liderou o PSD, Passos avaliou-o como um feito «muito coletivo». «Não foi um resultado meu, foi um resultado de muitos. E gostaria de agradecer a todos».
Um ano não saboroso
Em contraste com as recentes afirmações do atual primeiro-ministro, António Costa, Passos refletiu sobre 2017 como um ano «do qual não podemos ter boas lembranças». «Refiro-me evidentemente à dimensão trágica que este ano acabou por ter. Todos os anos têm momentos de maior felicidade e infelicidade, mas eu não tenho memória de um tão trágico», afirmou, dando uma palavra aos originários das regiões afetadas e destacando o papel da sociedade civil na reconstrução em curso após a falha do Estado.
Pedro Passos Coelho citou depois o i. «O ano termina também com um Governo mais endogâmico. A cada substituição feita, fecha-se sobre si próprio. Mostra estar mais preocupado em concertar-se no seu seio do que afinar o seu futuro com o do país», criticou, dirigindo-se depois à notícia do «diário de referência» sobre a instituição de um Conselho Superior de Obras Públicas. «Não sei como é o que país sobreviveria sem um Conselho Superior de Obras Públicas, nem como sobreviveu este tempo todo sem um…», brincou, ainda animado.
No fim, foi aplaudido de pé durante dois minutos integrais.