No centro deste primeiro romance de Cristina Almeida Serôdio está uma casa secular – a casa rural das tias solteiras de M., que, por inesperada herança, lhe veio parar às mãos. É essa casa, há muito fechada, que agora visita na companhia de uma velha amiga a quem cabe inventar e compor uma história familiar. Desenvolvendo-se em curtos capítulos, num estilo de suavíssima desenvoltura narrativa, faz pensar num poema narrativo que se desprendesse de uma temática definida para se estender em várias direcções. Indiferente à seta dos encadeamentos cronológicos, trocados por uma discreta estrutura aglutinadora, o tempo é uma unidade fracturada, a oscilar entre o encanto de uma época de possíveis (“era só querer”, diria Ruy Belo) e um cepticismo desenganado.
“Pensam as tias que as mulheres dos irmãos têm mais do que elas. Comparam-se, sentem-se a perder, porque pensam nas suas vidas sem amores privados e na sua condição infecunda.
Não é tanto o não ter uma vida ao lado de um marido que as escolhesse e a que acedessem ou amassem – sabem agora dos difíceis quereres dos maridos, das suas súbitas zangas, a aplacar, deixar passar, esquecer – nem o não ter uma casa toda sua, numa rua vibrante da cidade, a decorar, arranjar, manter e ocupar com visitas risonhas que se mimam com comidas de família, toalhas brancas e novas flores cortadas, nem mesmo o não serem donas de qualquer coisa sua.
De tudo é o vazio dos seus colos o que mais lhes custa.”