O «já estão» queria significar que, daí para a frente, a situação dos partidos independentistas iria de mal a pior, estando condenados a uma derrota humilhante.
Para este comentador, os independentistas, chefiados por um medíocre irresponsável que a história condenaria, Carles Puigdemont, tinham-se comportado como meninos malcriados – mas, depois de postos na ordem, iriam ser severamente punidos nas eleições pela maioria dos catalães.
E os que tinham participado inconscientemente na festa, cairiam em si e entrariam nos eixos.
Como se sabe, as eleições catalãs desmentiram o nosso comentador ponto por ponto: os partidos independentistas obtiveram a maioria absoluta e Puigdemont saiu com o prestígio reforçado.
O problema dos analistas portugueses é que nunca perceberam o separatismo na Catalunha. Analisam-no com a mesma sobranceria com que olham para outros separatismos noutros azimutes. Acharam que, vendo muitas empresas a fugir de Barcelona e o turismo a cair, a maioria silenciosa da Catalunha cerraria fileiras e votaria em massa contra a independência.
Além disso, entenderam que Puigdemont, depois da fuga para a Bélgica, seria visto pelos catalães como um ‘cobarde’, estando politicamente morto.
Acontece que o desejo de independência da Catalunha tem características únicas.
Não é de ontem nem de hoje, vem de há séculos; está profundamente enraizado em todas as classes sociais; nunca recorreu à violência, porque tem consciência da sua superioridade cultural e económica. Assim, é ridículo pensar que é possível resolvê-lo «de uma vez por todas», como às vezes se ouve.
Ainda por cima, Rajoy teve a péssima ideia de mandar uma verdadeira ‘força de ocupação’ para fazer cumprir a lei espanhola à bastonada – reforçando a convicção dos que veem em Madrid a capital de um poder repressivo.
A brutalidade da carga policial no dia do referendo, a suspensão do Governo eleito, a prisão dos governantes, fez irresistivelmente lembrar uma ação em território colonial.
Quanto a Puigdemont, os catalães nunca o viram como um aventureiro ou um fugitivo – mas sim como o corporizador de uma vontade funda e antiga.
Por isso, não o abandonaram.
Há quem diga agora que, com o resultado destas eleições, tudo voltou ao princípio – sendo que os independentistas até têm menos dois deputados.
Também aqui se enganam redondamente!
A grande, enorme diferença é que, antes da suspensão da autonomia, o Governo de Madrid tinha a bomba atómica para usar – o art.º 155 – e agora usou-a e não ganhou nada.
Pior: o grande derrotado das eleições foi ironicamente, o homem que as convocou. O homem que ordenou a carga policial e que suspendeu o Governo catalão.
Depois de demitir Santana Lopes, Jorge Sampaio dizia que, se as eleições o confirmassem como primeiro-ministro, teria de ser ele a sair do cargo.
Em boa verdade, Rajoy deveria ter feito o mesmo: levou os poderes ao limite e ouviu um rotundo não.
Inversamente, Puigdemont, que fugiu para Bruxelas para não ser preso, que disputou as eleições no exílio, surge como o 2.º político mais votado e o único que pode liderar o próximo Governo.
Condenação clara de Rajoy e apoio a Puigdemont – assim se resumem as eleições catalãs.
Poderia ter havido resultados políticos mais claros? Só quem não queira ver…
O outro grande derrotado das eleições foi a Justiça espanhola.
Meteu governantes na prisão, não os deixou sair para fazerem campanha, e eles foram premiados pelos eleitores.
É uma tremenda bofetada do eleitorado na Justiça madrilena.
Para concluir, é preciso dizer uma coisa óbvia: uma questão que não se resolveu em cinco séculos não vai resolver-se em semanas ou em meses ou nos próximos anos por obra e graça do Espírito Santo.
O sentimento de independência catalão vem do fundo dos tempos e da alma da região – e como dizia o poeta «não há machado que corte a raiz ao pensamento».
Os catalães têm uma língua própria (que já foi proibida e renasceu sempre), têm uma cultura própria, têm grandes artistas e pensadores, têm uma economia pujante, têm a maior equipa de futebol do mundo – e só lhes falta mesmo separarem-se de Madrid para serem independentes.
Madrid tem de perceber isto e tentar resolver o problema pelo diálogo – porque pela força já viu que não resolve.
O uso da força só agravará cada vez mais o problema, com o risco de acabar num banho de sangue.
P.S. – O corretor ortográfico automático é muito útil, mas por vezes revela-se um amigo traiçoeiro. Assim aconteceu há uma semana, quando trocou os nomes de várias empresas que eu referia na minha crónica, transformando Sacor em Saco ou Gás Cidla em Gás Cidra. Para que conste, repito esse conjunto de empresas que o PCP/CGTP atirou ao chão no pós-25 de Abril: CUF, Lisnave, Setenave, Sorefame, Siderurgia, Sacor, Sécil, Sonap, Gás Cidla…