Postais de um planeta longínquo

Estava já na fila da livraria pronto para fazer o pagamento de livros para mim e para os meus filhos quando algo me chamou a atenção. Parcialmente escondido, espreitava algo que poderia ser aquilo que procurava há algum tempo. 

Quando o retirei, a imagem da capa revelou uma perfeita esfera amarela, rodeada por delicados anéis cinzento-acastanhados e um espectro azul, que lhe conferia uma aura de mistério. O título do livro confirmou o que eu suspeitava: o que se via ali era uma imagem de Saturno e dos seus anéis.

Na Antiguidade, os romanos associaram Saturno ao grego Cronos, o deus das colheitas e das estações. Um dos doze titãs que nasceram da ligação entre o Céu (Úrano) e a Terra (Gaia), Cronos ficou conhecido como a divindade que devorou os seus próprios filhos. Esse episódio infame, aliado à semelhança deste nome com o de Chronos, a personificação do tempo, levou a que Saturno fosse identificado também com a passagem do tempo e a destruição que ela acarreta.

Na Idade Média e Renascimento, dizia-se que a influência de Saturno provocava a doença que então se designava por melancolia: a ‘bílis negra’, um mal-estar que convidava à tristeza e provocava um sofrimento difícil de definir. O temperamento saturnino andava, ainda assim, normalmente de mãos dadas com a criatividade, sendo muito comum entre artistas e poetas, a ponto de se tornar uma espécie de moda.

Mas regressemos ao nosso livro. A 15 de setembro deste ano, o engenho espacial Cassini mergulhou na atmosfera de Saturno, pondo fim a vinte anos de atividade. Lançado em outubro de 1997, entrou na órbita daquele planeta após uma viagem de sete anos em que percorreu 1,2 mil milhões de quilómetros. A dimensão deste feito prodigioso viria a ser ampliada pelo sucesso da sonda Huygens, que se separou da Cassini e a 14 de janeiro de 2005 aterrou na superfície de Titã, a maior lua daquele planeta.

São as 150 melhores fotografias captadas quer pela Cassini, quer pela sonda Huygens e enviadas, como um postal interplanetário, para a Terra que podemos encontrar nas páginas de Saturn: A New View, editado em 2006. Elas mostram-nos não apenas Saturno, mas também os seus anéis – discos perfeitos formados por gelo, pedras, poeiras e outros detritos – e os seus estranhos satélites naturais. Ao todo são conhecidas mais de 60 luas, Algumas delas redondas, como a nossa, outras irregulares, todas pontuadas por crateras que «registam um passado violento».

Não me deterei sobre a complexidade técnica da missão nem tenho habilitações para avaliar a sua importância científica, mas uma coisa parece-me evidente: quando o engenho humano se encontra com as maravilhas do cosmos, o resultado é de cortar a respiração.