As novas leis para reforçar a transparência no exercício de cargos políticos e altos cargos públicos vão avançar no primeiro trimestre deste ano. “Entre fevereiro e março o processo estará concluído”, garante ao i Fernando Negrão, que preside à Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas.
A comissão foi criada em abril de 2016 e até agora tem feito “um trabalho minucioso para obter um levantamento de toda a legislação em que é preciso mexer. No início do ano serão retomados os trabalhos para começar a votar uma a uma as propostas de alteração apresentadas pelos partidos políticos”, acrescenta Negrão. O deputado do PSD está confiante de que será possível “um entendimento alargado” sobre alguns aspetos essenciais do novo pacote da transparência.
Não é ainda certo o que pode avançar ou ficar pelo caminho entre os 15 projetos de lei que estão em discussão, mas há aspetos que podem ser consensuais como o alargamento dos impedimentos dos deputados. “Aumentarão as situações de incompatibilidade”, diz Fernando Negrão, reconhecendo que “há partidos que entendem que deve haver uma exclusividade no exercício das funções dos deputados e há quem entenda que não, porque isso pode diminuir a qualidade e fechar o parlamento na máquina partidária”.
A proposta do Bloco de Esquerda para que os deputados passem a exercer funções em exclusividade não deverá ser aprovada, mas aumentam bastante as restrições. O PS, por exemplo, defende que um deputado deve ser impedido de “servir de perito, consultor ou árbitro em qualquer processo em que seja parte o Estado ou quaisquer outros entes públicos”. Os socialistas querem também implementar a “impossibilidade de exercício de funções como consultor, de emissão de pareceres ou de exercer o mandato judicial nas ações, em qualquer foro, a favor ou contra o Estado ou quaisquer outros entes públicos”.
O projeto de lei do PSD também prevê que um deputado seja impedido de “exercer o mandato judicial, por si ou através de sociedades profissional em que se mantenha integrado, nos processos em qualquer foro ou exercer funções como consultor e emitir pareceres, contra o Estado”.
A comissão criada para avaliar as propostas dos partidos já realizou mais de uma dezena de audições. Rui Rio foi o último a ser ouvido e alertou para “o divórcio entre o povo e a política”. O agora candidato à liderança do PSD defendeu que em “termos teóricos” a função de deputado é “suficientemente nobre”para ser exercida durante 24 horas, mas é preciso também ter em conta que as restrições podem conduzir a um “apego excessivo e a uma dependência excessiva do cargo político”.
Vera Jardim, ex-ministro da Justiça, mostrou-se contra a exclusividade e alertou que a independência de um político depende muito da capacidade de “voltar à profissão”. Guilherme de Oliveira Martins, ex-presidente do Tribunal de Contas, apelou a que exista “bom senso”, porque “temos de garantir que os melhores podem exercer a vida democrática”.
As regras para os ex-governantes também vão apertar. Casos como o de Maria Luís Albuquerque, que foi trabalhar como diretora não executiva da empresa financeira Arrow Global, podem deixar de ser possíveis. O projeto de lei do PS preconiza que os ex-governantes não possam “exercer cargos nas empresas que prossigam atividade de impacto relevante no setor que diretamente tutelaram”. Os socialistas propõem que esta inibição seja de três anos, o PCP defende que seja de cinco anos e o BE de seis.
Os partidos vão ainda discutir novas regras para o controlo do património dos cargos políticos e públicos. A proposta do CDS para regulamentar o lobbying é outro dos assuntos que está em cima da mesa. Os centristas propõem a criação de um registo público para os “representantes de interesses legítimos”.
A discussão sobre a transparência no exercício de cargos políticos e públicos é retomada na mesma altura em que os deputados serão confrontados com o veto do Presidente da República às alterações na lei do financiamento dos partidos políticos. Fernando Negrão admite que o processo que levou à aprovação da nova lei é reprovável. “Há comportamentos que, do ponto de vista ético e do rigor, não são aqueles que em política os portugueses querem”, afirma.